( VALDEMAR CRUZ) As principais censuras têm hoje uma dimensão económica, defende a investigadora da Universidade do Minho, que acaba de publicar o livro "Jornalista, profissão ameaçada".
Os jornalistas estão sob pressão, a democracia já
viveu melhores dias nas redações e assiste-se no dia a dia ao pisar de
incontáveis linhas vermelhas por diversos atores. O resultado é um permanente
pôr em causa da liberdade de imprensa, com a profissão cada vez mais ameaçada.
As conclusões são de Felisbela Lopes, investigadora na
área dos media da Universidade do Minho, e surgem como resultado natural da
leitura do livro "Jornalista, profissão ameaçada", que é apresentado
esta quarta-feira na Livraria Alêtheia, na Rua do Século, 13,
em Lisboa,
pelas 18h30.
Logo a abrir o livro, Felisbela, ela própria
ex-jornalista, faz uma espécie de rápido retrato do estado da arte quando,
num só parágrafo, elenca grande parte dos dilemas, dos desafios, dos
constrangimentos com que se debatem os jornalistas sob pressão em
estado de permanência.
É a "pressão para ser rentável. Pressão
para fazer a cobertura de determinado acontecimento. Pressão para ouvir este ou
aquele interlocutor. Pressão para não afrontar os acionistas ou financiadores
da sua empresa. Pressão para cumprir leis que não deixam margem para noticiar
factos com relevância noticiosa. Pressão para trabalhar depressa. Pressão para
ser o primeiro a anunciar a última coisa que acontece. Pressão para multiplicar
conteúdos em diversas plataformas. Pressão para atender àquilo que os cidadãos
dizem nas redes sociais".
Como não é fácil trabalhar com tantas
condicionantes, a investigadora sugere que "atualmente ser jornalista é
aceitar exercer uma profissão que está sob ameaças de vária ordem. E
isso deveria suscitar um amplo debate público".
Até porque há uma panóplia de novas censuras
a serem exercidas. A mais importante, a mais eficaz, a mais paralisante será a que resulta
das condicionantes económicas. Como diz Felisbela Lopes, "estão aí as
principais censuras, transpostas na diminuição de meios, na redução das
equipas, na limitação dos trabalhos". Com a liberdade de imprensa em risco
"face a empresas jornalísticas demasiado concentradas no lucro", diz
a investigadora, "a dependência dos anunciantes é colossal. O medo dos
administradores é real".
O PÂNICO DE
PERDER O EMPREGO
Com a permanente alegação de
que "não há dinheiro", o dia a dia das redações está transformado
numa espécie de caldeirão mágico de onde sai uma poção cujos efeitos ainda
ninguém conhece por inteiro, em que "é preciso fazer mais com menos.
É preciso fazer. E no meio de tudo isto, ressalta o pânico de perder o
emprego", num meio em que, como assinala no livro uma jornalista sénior,
"as direções foram sequestradas pelas administrações que, por sua vez,
foram sequestradas pelos anunciantes".
O livro nasce a partir da vontade de questionar os
constrangimentos enfrentados na atualidade pela profissão de jornalista. Para
concretizar o projeto, Felisbela resolveu dirigir algumas perguntas a 100
jornalistas, a quem pedia respostas muito curtas. A grande surpresa, diz a
investigadora ao Expresso, "é que foi muito fácil fazer o livro com
esta parceria em que os jornalistas foram muito prontos a
responder".
As respostas são múltiplas e variadas, abrangem temáticas diversas
e contêm algumas tiradas paradigmáticas, como quando alguém diz que "o
cartão de crédito se converteu no novo lápis azul", ou quando um
jornalista, face à tendência generalizada das empresas para assumirem
compromissos noutras circunstâncias inaceitáveis, mas agora justificados com a
necessidade de rentabilidade, defende que "outro galo cantaria se se
percebesse que a independência dá dinheiro".
Em "Jornalista, profissão ameaçada"
levantam-se vários problemas de grande atualidade, como a crescente
concentração dos grupos mediáticos, muitas vezes sem ser claro quem detém a
propriedade daquelas estruturas. No caso concreto de Portugal, a existência de
um reduzido número de grupos de media comporta riscos, que Felisbela elenca.
Com as empresas a assumirem como prioridade "racionalizar
custos e maximizar lucros", num ambiente de profunda retração do mercado
publicitário, "os media tentam fazer a quadratura do círculo: fazer mais
(conteúdos) com menos (dinheiro e profissionais)". A consequência é
visível "numa redução drástica da qualidade daquilo que se faz".
Depois há o problema da uniformização dos conteúdos mediáticos, em
que a multiplicação de meios de comunicação social não resulta numa diversidade
de conteúdos, nem tão pouco, acrescenta Felisbela Lopes, "num acréscimo de
qualidade daquilo que é produzido".
Se somarmos a tudo isto "jornalistas
precários e com medo" consegue-se porventura perceber melhor o caldo em
que se movimenta uma classe que vê a liberdade de imprensa em risco face à
hegemonia das fontes do poder dominante. A investigadora assume que "a
revolução já não se faz nos media", mas acrescenta que "os
jornalistas parecem estar resignados às versões daqueles que se instalaram no
poder".
Nesse sentido, conclui, torna-se imperioso
"agitar redações que se anestesiaram em relação àquilo que se passa
nas bordas da sociedade e que, de repente, pode aproximar-se perigosamente do
centro". (
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