Pedro Santos Guerreiro |
A Caixa de pão duro
Vou repetir-me. Não era preciso
esperar quatro anos para criticar os resultados da gestão da Caixa. Não era
preciso esperar sequer quatro horas. Aquela equipa anunciada em julho de 2011
por este Governo era suficientemente má para antever o que aconteceria. Faltava
experiência de banca comercial na equipa e, sobretudo, aquele era um conjunto
de escolhas sem pés nem cabeça. Escrevi-o no próprio dia. “A administração da
Caixa é uma combinação, explosiva e imprudente, de cabeças de cartaz.”
Sim, vou repetir-me.
Escrevi-o aqui em novembro: “A Caixa apresenta resultados medíocres”, com uma
rentabilidade sobre os depósitos de cerca de 0,1%, pelo que “se a gestão não
muda a Caixa é preciso mudar a gestão”. O primeiro-ministro decidiu dizê-lo
agora de outra forma, na Redação Aberta do “Negócios”: que a Caixa deveria
estar a gerar resultados da sua atividade suficientes para devolver o capital
ao Estado.
A Caixa teve injeções de
capital monstruosas nos últimos anos. Vendeu os seguros, os hospitais e
participações empresariais
Vou ainda repetir-me mais
uma vez: o melhor que esta administração fez foi, mais do que limpar balanços,
limpar o ar. Depois de anos de gestão socialista e instrumentalizadora, que
deixaram um legado de maus créditos e de créditos maus, e de negócios duvidosos
de que vamos ainda conhecendo o lastro, a Caixa Geral de Depósitos hoje não é
uma casa de santos mas já não é o antro de comércio de favores que soterrava
prejuízos para os anos vindouros.
E isso tem um valor enorme. Mas não chega.
Porque não chega ser sério para ser bom gestor. E aquela equipa não é nem nunca
foi uma equipa, mas um conjunto de administradores que agem em subgrupos ou
individualmente. Nem o melhor administrador do mundo consegue administrar
sozinho. E ficará sempre por saber como é que o PSD mais liberal de sempre, em
que pelo menos três ideólogos — Passos Coelho, Eduardo Catroga e António Borges
— tinham pensamento tão vincado e tão público sobre a Caixa, escolheu uma
administração talhada para falhar, penalizando inclusive os bons gestores escolhidos,
porque não há bom vinho que resista a golpes de vinagre. A Caixa teve injeções
de capital monstruosas nos últimos anos. Vendeu os seguros, os hospitais e
participações empresariais. E se é o único banco que ainda não devolveu
qualquer dinheiro de ajudas do Estado, é porque é incapaz de gerar lucros em
monta suficiente.
É por isso que a esquerda
questiona agora se o que Passos Coelho na verdade quer é privatizar a Caixa,
pensamento que defendeu antes de ser primeiro-ministro e depois congelou. É possível
que sim, até porque isso seria coerente com o seu pensamento liberal contra a
presença do Estado na economia. E seria um tema lancinante para a campanha
eleitoral que se avizinha. Mas talvez a resposta seja mais óbvia: Passos está a
pressionar a administração da Caixa a ser consequente. Ou na entrada de lucros.
Ou na saída dos administradores. Talvez pelos seus próprios pés. Mas o erro
inicial foi de uma só pessoa: de Passos, que deixou que a seleção da
administração fosse um plebiscito de quem o rodeava. A perversão é completa: o
anátema não é as empresas do Estado serem mal geridas, é terem um mau
acionista, que interfere ou cede a interferências, que define mal o mandato
(que neste caso era o de auxiliar a economia, não o de gerar lucros) e que, na altura
da avaliação, a faz pública ou humilhantemente.
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