João Pinto e Castro - 23 Outubro 2012
Uma opinião pública inquinada por falsidades ou meias verdades não está em
condições de formar um juízo válido sobre as alternativas políticas que lhe são
propostas.
1. Para começar, 47% da chamada despesa pública de 2011 consistiu em
transferências, ou seja, redistribuição de recursos que o estado opera de uns
cidadãos para outros, incluindo pensões e outras prestações sociais. Não é pois
verdade que o estado se aproprie de metade da riqueza do país, visto que metade
dessa metade é devolvida às famílias.
2. As despesas de funcionamento das administrações públicas (salários
mais consumos intermediários) representam 39% dos gastos totais. Porém, como
abrangem a produção de serviços como a saúde, a educação ou a segurança, a
verdade é que o custo da máquina burocrática do estado central se fica pelos 12
mil milhões (15,5% da despesa pública ou 7,2% do PIB). As gorduras do estado
são afinal diminutas.
3. Os juros da dívida pública deverão absorver no próximo ano 5% do PIB.
É imenso, mas em 1991 chegaram aos 8,5%.
4. O estado português foi recentemente obrigado a corrigir as suas
contas incluindo nelas défices ocultos em anos anteriores, o que teve como
consequência um aumento brusco da estimativa da dívida pública acumulada. O
curioso é que essa dívida escondida foi praticamente toda contraída até 1989.
Logo, as revisões recentes emendam falhas cometidas há muitíssimos anos.
5. A despesa pública em proporção do PIB atingiu um máximo em 1993
(46%), depois desceu ligeiramente e só voltou a esse nível, superando-o
inclusive, na sequência da crise financeira mundial
declarada em 2008. O país sabe conter eficazmente despesa pública, tanto mais
que já o fez no passado.
6. O défice das contas públicas atingiu o seu máximo absoluto, segundo
o Banco de Portugal, em 1981 – um legado de Cavaco Silva ao
segundo governo da Aliança Democrática. Nunca mais se viu nada assim.
7. Em 1986, o sector público absorvia 71,7% do crédito total à economia.
Em pouco mais de uma década a situação inverteu-se totalmente, de modo que, em
1999, as empresas e as famílias já absorviam 98% do crédito disponível. A
economia não está hoje abafada pelo estado.
8. À data da entrada na CEE, o financiamento externo da economia representava apenas 14% do total. Em resultado da privatização da banca, a captação de recursos financeiros no exterior decuplicou entre 1989 e 1999 e a dívida pública passou a ser financiada esmagadoramente pelo estrangeiro. As instituições financeiras contribuíram para uma entrada líquida de fundos externos equivalente a 6,8% do PIB nesses anos. As responsabilidades dos bancos face ao estrangeiro passaram de 49% do PIB em 1999 para um máximo de 96% em 2007.
9. A baixa das taxas de juro decorrente da integração no euro propiciou a rápida expansão do crédito. Mas o investimento baixou em sete dos onze anos que terminaram em 2010 (variação acumulada de -20%), ao passo que o consumo privado só desceu num ano (variação acumulada de 19%). Quando havia dinheiro a rodos, o sector privado não investiu. Convém investigar porquê.
8. À data da entrada na CEE, o financiamento externo da economia representava apenas 14% do total. Em resultado da privatização da banca, a captação de recursos financeiros no exterior decuplicou entre 1989 e 1999 e a dívida pública passou a ser financiada esmagadoramente pelo estrangeiro. As instituições financeiras contribuíram para uma entrada líquida de fundos externos equivalente a 6,8% do PIB nesses anos. As responsabilidades dos bancos face ao estrangeiro passaram de 49% do PIB em 1999 para um máximo de 96% em 2007.
9. A baixa das taxas de juro decorrente da integração no euro propiciou a rápida expansão do crédito. Mas o investimento baixou em sete dos onze anos que terminaram em 2010 (variação acumulada de -20%), ao passo que o consumo privado só desceu num ano (variação acumulada de 19%). Quando havia dinheiro a rodos, o sector privado não investiu. Convém investigar porquê.
10. Também o investimento público foi baixando progressivamente até aos
3% do PIB em 2008. Em 2009 subiu um pouco, ficando ainda assim abaixo dos
máximos do início da década. Como é possível continuar-se a invocar o excesso
de investimento público para explicar as presentes dificuldades financeiras do
estado?
11. As despesas do estado com pessoal caíram consistentemente em
proporção do PIB a partir de 2002. O tão polémico aumento dos salários dos
funcionários públicos em 2009 teve um impacto insignificante nas contas
públicas. Em contrapartida, as prestações sociais passaram de 14% para 22% do
PIB entre 2003 e 2010, sendo responsáveis por 95% do aumento da despesa
corrente primária do estado entre 1999 e 2010.
12. Desmentindo a ideia de que as metas acordadas com a União Europeia nunca
se cumpriram, os objectivos dos PECs entre 2006 e 2008 foram sempre confortavelmente
atingidos, sem recurso a receitas extraordinárias, no que respeita a receitas,
despesas, défice e dívida pública.
13. As medidas selectivas de combate à recessão em 2009 ascenderam a
apenas 1,3% do PIB (quase metade pagos com fundos comunitários). O grande
aumento do défice nesse ano deveu-se no essencial à quebra em 14% das receitas
fiscais e ao crescimento das prestações em decorrência do agravamento da
situação social. Acresce que esse aumento não se desviou significativamente do
observado no resto da UE.
14. Cada um dos pontos anteriores contraria directa e taxativamente uma
ou mais alegações quotidianamente escutadas nas televisões, nas rádios, nos
jornais e, por decorrência, nos cafés e nos transportes públicos. Uma opinião
pública inquinada por falsidades ou meias verdades não está em condições de
formar um juízo válido sobre as alternativas políticas que lhe são propostas.
Nestas condições, não admira que cresça descontroladamente o populismo e se
degrade a qualidade da democracia.
Nota: (Os factos e números citado neste artigo foram extraídos do
recentemente editado "Sem Crescimento Não Há Consolidação Orçamental:
Finanças Públicas, Crise e Programa de Ajustamento", de Emanuel Santos,
leitura indispensável para quem deseje documentar-se sobre o tema das contas
públicas.)
Director Geral da Ology e docente universitário - jpcastro@ology.pt
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