quinta-feira, 16 de julho de 2015

(Daniel Oliveira) "Nobel da Paz para Passos Coelho"

Portugal é um país curioso. Vive entre a obediência total a quem tem poder e sonhos pouco realistas de grandeza. Mas uma grandeza sem risco. Coisas como organizar o maior piquenicão da Europa, ter a maior ponte, construir ou refazer dez estádios para organizar um ruinoso campeonato europeu de futebol. Não me espanta por isso que Pedro Passos Coelho tenha tido aquele momento pateta do "por acaso a ideia foi minha", em que disse que, mais coisa menos coisa, fora ele que desbloquear o processo negocial com a Grécia. Ele sabia que, dando importância ao papel português, excitaria a provinciana imprensa nacional.
De repente, o orgulho nacional, sempre dirigido para o acessório para que dele nunca resulte qualquer perigo, transformou Passos Coelho no pacificador moderado da Europa. Nem se percebe como não está já a caminho do Médio Oriente para resolver o eterno conflito israelo-palestininano e não o candidatam a Nobel da Paz. E assim, numa conferência de imprensa, tendo de ser o próprio primeiro-ministro a sublinhar o seu contributo (que a imprensa internacional não valorizou), permite que a imprensa nacional, sedenta de qualquer coisa que não nos envergonhe, reescreva o vexatório papel português em todo este processo.
Nem sequer precisamos de citar os inúmeros comentários ofensivos para o governo grego, escritos em inglês no twitter pelo secretário de Estado dos assuntos europeus, Bruno Maçães, identificado com as suas funções oficiais e repetidamente citado pela imprensa internacional. Bastaria ter acompanhado as sucessivas declarações públicas de Pedro Passos Coelho, sobretudo quando Tsipras chegou ao governo e durante este mês de julho. Acompanhando sempre as posição alemãs mais agressivas, opôs-se publicamente a uma reestruturação da divida grega que envolvesse qualquer corte, passou semanas a dar ralhetes aos gregos e a sublinhar o seu papel de credor e, para quem já se esqueceu, classificou as propostas do novo primeiro-ministro da Grécia como um "conto de crianças" um ou dois dias depois dos gregos terem escolhido democraticamente o seu governo legitimo.
De repente Passos Coelho é o pacificador moderado da Europa. Nem se percebe como não está já a caminho do Médio Oriente para resolver o eterno conflito israelo-palestininano e não o candidatam a Nobel da Paz
Isto foi o que fez publicamente. Os relatos do seu papel nas negociações são numerosos e todos coincidentes.
Nem preciso de ir buscar a recente entrevista de Yannis Varoufakis, já depois de ter saído do governo, em que afirmou, mais uma vez, que "desde o início, esses países [os mais endividados] deixaram bem claro que eram os mais enérgicos inimigos do nosso governo”. Nem da mesma acusação de Alexis Tsipras, que, com os problemas que tem em casa, terá mais que fazer do que denegrir a imagem do primeiro-minsitro de Portugal.
Foi já há alguns meses que o influente jornal alemão "Die Welt" garantiu que a ministra Maria Luís Albuquerque teria pedido a Wolfgang Schäuble para nas negociações do eurogrupo não ceder à Grécia. Basta ter acompanhado pela a imprensa as sucessivas negociações, relatadas pela imprensa internacional, para não precisar de discutir o evidente: Portugal foi, ao lado da Espanha, um ativo elemento de bloqueio a qualquer acordo que não fosse ruinoso para a Grécia. 
A razão, repetida por todos os comentadores europeus, é evidente. Explicou-a Alan Beattie, do Financial Times, em fevereiro: "Um acordo especial conseguido pela esquerda grega iria destruir a sua credibilidade. Um perdão de dívida pareceria muito bom ao eleitor português." Uma posição coerente, como explicou Peter Spiegel, chefe de delegação do mesmo jornal em Bruxelas: «Os portugueses também foram muito anti-Renzi e a sua flexibilização das regras orçamentais: isso mina-os horrivelmente em casa."
Claro que quando o acordo se aproximou, o governo português fez o que faz sempre e colou-se à solução alemã, contribuindo para ela. Mas nem perante o risco da Grécia sair do euro, com possíveis efeitos desastrosos para Portugal, o nosso governo recuou como recuou, por exemplo, o espanhol. Esteve sempre à espera da posição alemã. Transformar a adaptação da posição portuguesa aos resultados negociais impostos pela Alemanha, com contributos especificos, num papel central no desbloqueio desta negociação está para lá do provincianismo habitual de quem, não querendo contar quando as lutas são dificeis, se põe em bicos de pés na hora de distribuir os louros. Está documentado, descrito, impresso: o papel do governo português nos últimos meses foi, por razões internas, o de um aliado ativo das posições mais irredutíveis da Europa. Não há como reescrever isto à boleia do autoelogio de Passos.

Para amanhã deixo o "por acaso a ideia foi minha" dos socialistas.

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