Portugal é um
país curioso. Vive entre a obediência total a quem tem poder e sonhos pouco
realistas de grandeza. Mas uma grandeza sem risco. Coisas como organizar o
maior piquenicão da Europa, ter a maior ponte, construir ou refazer dez
estádios para organizar um ruinoso campeonato europeu de futebol. Não me
espanta por isso que Pedro Passos Coelho tenha tido aquele momento pateta do
"por acaso a ideia foi minha", em que disse que, mais coisa menos
coisa, fora ele que desbloquear o processo negocial com a Grécia. Ele sabia
que, dando importância ao papel português, excitaria a provinciana imprensa
nacional.
De repente, o
orgulho nacional, sempre dirigido para o acessório para que dele nunca resulte
qualquer perigo, transformou Passos Coelho no pacificador moderado da Europa.
Nem se percebe como não está já a caminho do Médio Oriente para resolver o
eterno conflito israelo-palestininano e não o candidatam a Nobel da Paz. E
assim, numa conferência de imprensa, tendo de ser o próprio primeiro-ministro a
sublinhar o seu contributo (que a imprensa internacional não valorizou),
permite que a imprensa nacional, sedenta de qualquer coisa que não nos
envergonhe, reescreva o vexatório papel português em todo este processo.
Nem sequer
precisamos de citar os inúmeros comentários ofensivos para o governo grego,
escritos em inglês no twitter pelo secretário de Estado dos assuntos europeus,
Bruno Maçães, identificado com as suas funções oficiais e repetidamente citado
pela imprensa internacional. Bastaria ter acompanhado as sucessivas declarações
públicas de Pedro Passos Coelho, sobretudo quando Tsipras chegou ao governo e
durante este mês de julho. Acompanhando sempre as posição alemãs mais
agressivas, opôs-se publicamente a uma reestruturação da divida grega que
envolvesse qualquer corte, passou semanas a dar ralhetes aos gregos e a
sublinhar o seu papel de credor e, para quem já se esqueceu, classificou as
propostas do novo primeiro-ministro da Grécia como um "conto de
crianças" um ou dois dias depois dos gregos terem escolhido
democraticamente o seu governo legitimo.
De repente
Passos Coelho é o pacificador moderado da Europa. Nem se percebe como não está
já a caminho do Médio Oriente para resolver o eterno conflito
israelo-palestininano e não o candidatam a Nobel da Paz
Isto foi o que
fez publicamente. Os relatos do seu papel nas negociações são numerosos e todos
coincidentes.
Nem preciso de
ir buscar a recente entrevista de Yannis Varoufakis, já depois de ter saído do
governo, em que afirmou, mais uma vez, que "desde o início, esses países
[os mais endividados] deixaram bem claro que eram os mais enérgicos inimigos do
nosso governo”. Nem da mesma acusação de Alexis Tsipras, que, com os problemas
que tem em casa, terá mais que fazer do que denegrir a imagem do primeiro-minsitro
de Portugal.
Foi já há alguns
meses que o influente jornal alemão "Die Welt" garantiu que a
ministra Maria Luís Albuquerque teria pedido a Wolfgang Schäuble para nas
negociações do eurogrupo não ceder à Grécia. Basta ter acompanhado pela a imprensa
as sucessivas negociações, relatadas pela imprensa internacional, para não
precisar de discutir o evidente: Portugal foi, ao lado da Espanha, um ativo
elemento de bloqueio a qualquer acordo que não fosse ruinoso para a Grécia.
A
razão, repetida por todos os comentadores europeus, é evidente. Explicou-a Alan
Beattie, do Financial Times, em fevereiro: "Um acordo especial conseguido
pela esquerda grega iria destruir a sua credibilidade. Um perdão de dívida
pareceria muito bom ao eleitor português." Uma posição coerente, como
explicou Peter Spiegel, chefe de delegação do mesmo jornal em Bruxelas: «Os
portugueses também foram muito anti-Renzi e a sua flexibilização das regras
orçamentais: isso mina-os horrivelmente em casa."
Claro que quando
o acordo se aproximou, o governo português fez o que faz sempre e colou-se à
solução alemã, contribuindo para ela. Mas nem perante o risco da Grécia sair do
euro, com possíveis efeitos desastrosos para Portugal, o nosso governo recuou
como recuou, por exemplo, o espanhol. Esteve sempre à espera da posição alemã.
Transformar a adaptação da posição portuguesa aos resultados negociais impostos
pela Alemanha, com contributos especificos, num papel central no desbloqueio
desta negociação está para lá do provincianismo habitual de quem, não querendo
contar quando as lutas são dificeis, se põe em bicos de pés na hora de
distribuir os louros. Está documentado, descrito, impresso: o papel do governo
português nos últimos meses foi, por razões internas, o de um aliado ativo das posições
mais irredutíveis da Europa. Não há como reescrever isto à boleia do autoelogio
de Passos.
Para amanhã
deixo o "por acaso a ideia foi minha" dos socialistas.
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