Num dia inesquecível fica o testemunho do meu apreço e o texto de um magnífico artigo de António Valdemar onde tudo está dito. Parabéns, vezes 90.
"Familiares, companheiros de luta, antigos alunos e
muitos outros amigos celebram este aniversário para lhe testemunhar gratidão e
apreço, pelo muito que devem, ao seu estimulo afetuoso sempre presente nas
horas boas e más.
A voz mantém a energia para transmitir a exaltação e o protesto
da Ode à Liberdade de Jaime Cortesão que, ao longo de
décadas, fez vibrar milhares de pessoas em espetáculos públicos, ao ouvirem
esse manifesto de repúdio ao “ódio fanático dos bonzos”, ao “ciúme vil dos
fariseus” e para louvar “a cada novo dia e duro preço”, o “sopro e a lei da
criação”.
Os olhos continuam
despertos para o mundo que a rodeia e exige a partilha de compromissos de
solidariedade para transpor a incerteza, a violência, a desigualdade e
estabelecer uma cultura de justiça, de tolerância e dialogo.
Chama-se Maria de Jesus
Barroso Soares e hoje completa 90 anos de uma vida intensamente vivida.
Familiares, companheiros de luta, antigos alunos e muitos outros amigos
celebram este aniversario para lhe testemunhar gratidão e apreço, pelo muito
que devem, ao seu estimulo afetuoso que nunca falta nas horas boas e más.
Tem uma presença atuante,
na vida cultural, na intervenção cívica, na militância politica, na orientação
pedagógica de varias gerações, desde a segunda metade do seculo XX e que se
projeta nos dias atuais. Sempre com a mesma determinação e coragem. Maria
Barroso fez o curso no Conservatório sendo aluna de grandes mestres como, por
exemplo, Maria Matos e Alves da Cunha. Ingressou no elenco do Teatro Nacional,
na companhia de Amelia Rey Colaço/ Robles Monteiro e logo se distinguiu, como
uma das melhores e maiores atrizes da sua geração. Ficou memorável a
interpretação na peça de José Régio Benilde e muitas outras representações
suas. O talento de Maria Barroso evidenciou-se, também, no cinema, em vários
filmes de Paulo Rocha (Mudar
de Vida) e de Manoel de Oliveira (Le Soulier de Satin, de Sartre,Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco e,
na Benilde ou a Virgem Mãe, de Régio que já havia
sido um dos seus grandes êxitos teatrais.
Ao mesmo tempo que estudou
no Conservatório, tirou o curso de História e Filosofia da Faculdade de Letras
de Lisboa. Um dos seus mestres inesquecíveis foi Vieira de Almeida que fez da
cátedra, uma tribuna de combate à rotina, à mediocridade e ao pensamento único.
Incutia, em cada aluno, a responsabilidade ética, a ousadia, a inovação e o
imperativo da mudança, para transformar o Pais mergulhado em estruturas
arcaicas.
Enquanto aluno do Colégio
Moderno de João Soares, de Mário Soares, de Maria Barroso, devo a Maria Barroso
a iniciação no universo de Fernando Pessoa heterónimo e ortónimo, que eu
procurava decifrar, numa pequena – grande antologia selecionada por Casais
Monteiro, que Vitorino Nemésio oferecera a meu Pai. Também devo a Mário Soares
(recém casado com Maria Barroso, moravam na altura, num primeiro andar ao pé da
igreja do Campo Grande) o acesso a obras e autores da sua Biblioteca que
começava a crescer; e, ainda, a curiosidade e o interesse por revistas e
jornais franceses que passaram a ser (até hoje) um vício irrefreável. Isto
começou em 1953 e marca uma amizade que permanece na íntegra.
Entre tantas recordações
que procuro sintetizar não esqueço os recitais de Maria Barroso, com os poetas
do Novo Cancioneiro - que enfureciam a polícia
politica que cercava as salas – ao dizer com a voz firme e a sobriedade tensa,
o poema de Sidónio Muralha: “já não há mordaças, nem ameaças, nem algemas que
possam impedir a nossa caminhada, em que os poetas são os próprios versos dos
poemas”. Ou, então, o irreprimível clamor de Prometeurecriado por Joaquim
Namorado: “Abafai-me os gritos com mordaças, maior será a minha ansia de
grita-los; amarrai-me os pulsos com grilhetas, maior será a minha ansia de
quebra-las; rasgai a minha carne, triturai os meus ossos, o meu sangue será a
minha bandeira; meus ossos o cimento de uma outra humanidade, que aqui ninguém
se entrega. Isto é vencer ou morrer!”
António Valdemar |
Estas exortações veementes
voltam a ter sentido perante um País cada vez mais desigual, a sistemática
destruição das conquistas do 25 de Abril, a fome, o desemprego, a crise na
Justiça, o medo que se voltou a instalar. Sei que por todas estas
circunstâncias Maria Barroso, também lhe apetece repetir os versos emblemáticos
de Alvaro de Campos: “Hoje não faço anos. Duro. Somam-se dias (….) Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira”. Mas todos sabemos
que, apesar das contrariedades e desilusões, a esperança é um sinal de luz que
lhe ilumina o caminho e se comunica aos que tem o privilégio do seu convívio e
da sua amizade."
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