quinta-feira, 23 de abril de 2015

(Opinião) PS: em vez de cofres cheios, bolsos cheios

(Pedro Santos Guerreiro, in Expresso Diário, 21/04/2015)
Queriam uma política de esquerda, anti-troika e centrada nos trabalhadores? Ei-la, apresentada por um grupo de economistas no Largo do Rato. Nunca o PS foi tão diferente do PSD. Depois disto, António Costa e Passos Coelho nunca poderão estar no mesmo governo.
Um grupo de economistas ligados ao PS acaba de fazer um conjunto de propostas económicas que é fácil de perceber: é o contrário da política económica atual. Propõe dar a volta ao mundo no sentido oposto ao de Passos/troika para chegar aos mesmos antípodas: prosperidade com equilíbrio das contas públicas.
Este texto é uma primeira análise ao conjunto de medidas, não se debruça sobre cada medida em si, exercício que faremos de seguida mas que exige mais tempo, estudo e contraditório. Mas o que foi apresentado por Mário Centeno tem uma enorme vantagem: é claro e é diferente. Vamos deixar de discutir a frase de Costa ou o caso de Passos, vamos poder falar de políticas públicas. E vamos ter material para analisar muito além do que PS e PSD dirão um do outro: o PSD dirá que o PS voltou ao delírio que nos levará de novo ao descalabro; o PS dirá que o PSD nos trouxe a um beco sem saída de empobrecimento e desigualdade.
Os economistas caucionados pelo PS não propõem apenas acelerar o fim da austeridade, propõem acabar com a política que a troika impôs a Portugal e que o governo de Passos Coelho acolheu, por nela acreditar. Como escrevia Helena Garrido ontem no Negócios, para os economistas é agora fácil perceber a diferença entre PSD e PS: o PSD tem uma política do lado da oferta (promover a concorrência de modo a aumentar a competividade das empresas), o PS tem uma política do lado da procura (aumentar o rendimento disponível). Mas as diferenças vão muito além disso.
Onde a troika quis um choque de competitividade, os economistas do PS querem um choque de rendimento.
Onde a política do governo favoreceu as empresas para fomentar a competitividade, a política dos economistas do PS favorece os trabalhadores por razões sociais e de rendimento.
Onde o governo baixou o IRC, os economistas do PS baixam o IRS.
Onde o governo aumentou o IVA para a restauração, o PS aumenta o imposto sucessório.
Onde Passos Coelho quis o equilíbrio das contas públicas pela redução da despesa do Estado, cortando salários públicos e pensões, os economistas do PS defendem a devolução mais acelerada das pensões e dos ordenados do Estado para aumentar o rendimento.
Onde o governo quis a desvalorização interna, o PS quer a revalorização salarial.
Onde a troika quis a redução dos salários na economia (com descida da remuneração das horas horas extra e dos feriados, e com os salários dos novos postos de trabalho mais baixos que os anteriores), o PS quer baixar a TSU para os trabalhadores (aumentando o seu rendimento disponível) e também para as empresas (baixando o custos totais de trabalho).
Onde a troika cortou apoios sociais para poupar e por discordar dos “custos de ociosidade” que a subsidiação provoca, os economistas do PS querem dar um complemento salarial pago pelo Estado aos trabalhadores com salários mais baixos.
Onde o governo quis agilizar o mercado de trabalho e baixar os custos de despedimento para que as empresas pudessem reestruturar-se sem custos que o impossibilitassem, os economistas do PS querem aumentar o valor das indemnizações para dar mais proteção a quem perde o salário.
Onde o governo apostou tudo na competitividade, para atrair o investimento empresarial (estrangeiro, tendo em conta a descapitalização) e um modelo económico assente em empresas exportadoras nos sectores transacionáveis, os economistas do PS reforçam o rendimento das famílias para promover a procura interna e expandir a economia.
A diferença entre estas duas políticas é, diria Vítor Gaspar, enorme. Com o PSD, o Estado “encolhe”. Com o PS, o Estado vai gastar mais do que hoje mas vai também ter mais receitas porque o PIB cresce mais.
Embora se comprometa com metas de dívida e défice orçamental, António Costa acaba de perder a passadeira vermelha para entrar em quatro cidades: Berlim, Bruxelas, Frankfurt e Washington. A troika deve estar aos murros na parede depois de ouvir isto. O governo deve estar preocupado. Porque estas propostas do PS são também eleitoralistas, o que já levou o PSD a assumir um discurso pela negativa. E esse discurso assenta sobretudo no risco colocado sobre as contas públicas.
Esse risco existe. A proposta do PS garante que atinge o equilíbrio das contas públicas de uma maneira completamente diferente. Vejamos: o défice orçamental é uma fração, em que a diferença entre receitas e custos do Estado é dividida pelo PIB. Com a proposta do PS, os custos do Estado disparam. Mas o PIB sobe. E como o PIB sobe, as receitas também sobem (com mais PIB há mais transações, logo cobra-se mais IVA; há mais salários, logo há mais IRS; há menos desempregados, logo há mais gente a descontar e menos gente a receber subsídios; etc.)
Nos próximos dias iremos analisar, proposta a proposta, os riscos e as alternativas propostas pelos economistas liderados por Mário Centeno, um economista muito respeitado no Banco de Portugal – mas que é muito menos de esquerda do que muitos socialistas pensam (o contrato único de trabalho, por exemplo, não é fácil de passar no PS). Mas hoje já podemos analisar isto: o PS e o PSD defendem o contrário um do outro. O “não há alternativa” já não existe para os eleitores. E isso coloca a discussão política num nível completamente diferente.
Onde o PSD defende cofres cheios, o PS propõe bolsos cheios. (Pedro Santos Guerreiro, in Expresso Diário, 21/04/2015)

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