sexta-feira, 29 de agosto de 2014

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As razões do PS
O discurso de Mário Draghi não deixou ninguém indiferente. Pela primeira vez, um presidente do BCE chama a atenção para os perigos da deflação e admite que a economia monetária, só por si, é insuficiente para estimular o crescimento e o emprego. No fundo, confessa que só uma “cumplicidade inteligente” entre as políticas monetária e orçamental pode trazer algo de novo.
Já o novo primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi, tinha dito que quando a Europa fala no “Pacto de Estabilidade e Crescimento” exprime dois conceitos: o de estabilidade, mas também o de crescimento. Ora, é precisamente este dado da equação que a Europa e o governo esqueceram, confundindo austeridade com estabilidade e crescimento com empobrecimento. É um erro para o qual parece acordar uma zona euro em estagnação no segundo trimestre.
O secretário-geral do PS, António José Seguro, alertou desde sempre para a necessidade de mudar de caminho. Sem apoios ao crescimento, sem mais tempo para consolidar as contas públicas, sobretudo para países em maiores dificuldades, não poderia existir criação de riqueza nem mais emprego.
Foi por isso que defendeu o apoio à tesouraria das empresas e internacionalização da economia, uma conta corrente entre estas e o Estado, que obrigasse ao cumprimento fiscal das partes, um IRC mais justo, uma instituição para o Fomento, uma maior intervenção do BCE, a mutualização da dívida, entre tantas propostas, concretas e credíveis, que o governo sempre desvalorizou.
O resultado é conhecido: a dívida pública aumentou de 94% para 134% do PIB. Acresce, infelizmente, que os últimos dados dizem que a economia estagnou e a despesa do Estado aumentou. A receita fiscal cresceu, mas pelo lado menos virtuoso, à nossa custa, do IRS e do IVA, enquanto o IRC baixou, exatamente porque não há crescimento.
Este é o resultado de um governo que não quis ouvir António José Seguro e o PS, que tudo fez nas suas costas: sucessivas revisões do memorando ou o DEO são exemplos que ilustram a irresponsabilidade governativa, mas que não justificam a cumplicidade do Presidente da República.
António José Seguro e o PS foram solicitados apenas para uma coisa: cortes. Foi o que aconteceu com a novela da dita “Reforma do Estado” ou, mais recentemente, em clima de comício, com a “Reforma da Segurança Social”. Uma coisa é certa, o SG do PS não viveu de proclamações porque, concorde-se ou não, propôs sempre medidas concretas para problemas concretos. De facto, não estamos em tempo de criar esperança pela ilusão, mas confiança no futuro pela realização do que somos capazes de cumprir.
Voltando a Draghi, não deixo de notar a novidade no discurso, mas também sublinho que dele faz parte a defesa tradicional que alinha descida de impostos com cortes na despesa pública. Esta não é a que se reporta apenas às “gorduras do Estado” mas sim, e de novo, à saúde, educação, solidariedade social, salários, pensões ou reformas. Talvez por isso Paul Krugman tivesse olhado com pessimismo para esta não mudança. Enquanto não forem “adequadas” as regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento ao momento exigente que se vive na Europa esta não irá a lado nenhum.
É neste contexto difícil, para todos, que o PS trava um debate interno pela liderança, num momento que não foi escolhido pelo seu secretário-geral. Existe um constrangimento que precisa de ser transformado em oportunidade. O debate público ajuda. Afinal, o PS teve e tem razão.

DN 2014.08.29

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