As
razões do PS
O
discurso de Mário Draghi não deixou ninguém indiferente. Pela primeira vez, um
presidente do BCE chama a atenção para os perigos da deflação e admite que a
economia monetária, só por si, é insuficiente para estimular o crescimento e o
emprego. No fundo, confessa que só uma “cumplicidade inteligente” entre as
políticas monetária e orçamental pode trazer algo de novo.
Já
o novo primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi, tinha dito que quando a Europa
fala no “Pacto de Estabilidade e Crescimento” exprime dois conceitos: o de
estabilidade, mas também o de crescimento. Ora, é precisamente este dado da
equação que a Europa e o governo esqueceram, confundindo austeridade com
estabilidade e crescimento com empobrecimento. É um erro para o qual parece
acordar uma zona euro em estagnação no segundo trimestre.
O
secretário-geral do PS, António José Seguro, alertou desde sempre para a
necessidade de mudar de caminho. Sem apoios ao crescimento, sem mais tempo para
consolidar as contas públicas, sobretudo para países em maiores dificuldades,
não poderia existir criação de riqueza nem mais emprego.
Foi
por isso que defendeu o apoio à tesouraria das empresas e internacionalização
da economia, uma conta corrente entre estas e o Estado, que obrigasse ao
cumprimento fiscal das partes, um IRC mais justo, uma instituição para o
Fomento, uma maior intervenção do BCE, a mutualização da dívida, entre tantas
propostas, concretas e credíveis, que o governo sempre desvalorizou.
O
resultado é conhecido: a dívida pública aumentou de 94% para 134% do PIB.
Acresce, infelizmente, que os últimos dados dizem que a economia estagnou e a
despesa do Estado aumentou. A receita fiscal cresceu, mas pelo lado menos
virtuoso, à nossa custa, do IRS e do IVA, enquanto o IRC baixou, exatamente
porque não há crescimento.
Este
é o resultado de um governo que não quis ouvir António José Seguro e o PS, que
tudo fez nas suas costas: sucessivas revisões do memorando ou o DEO são
exemplos que ilustram a irresponsabilidade governativa, mas que não justificam
a cumplicidade do Presidente da República.
António
José Seguro e o PS foram solicitados apenas para uma coisa: cortes. Foi o que
aconteceu com a novela da dita “Reforma do Estado” ou, mais recentemente, em
clima de comício, com a “Reforma da Segurança Social”. Uma coisa é certa, o SG
do PS não viveu de proclamações porque, concorde-se ou não, propôs sempre
medidas concretas para problemas concretos. De facto, não estamos em tempo de criar
esperança pela ilusão, mas confiança no futuro pela realização do que somos
capazes de cumprir.
Voltando
a Draghi, não deixo de notar a novidade no discurso, mas também sublinho que
dele faz parte a defesa tradicional que alinha descida de impostos com cortes
na despesa pública. Esta não é a que se reporta apenas às “gorduras do Estado”
mas sim, e de novo, à saúde, educação, solidariedade social, salários, pensões
ou reformas. Talvez por isso Paul Krugman tivesse olhado com pessimismo para
esta não mudança. Enquanto não forem “adequadas” as regras do Pacto de
Estabilidade e Crescimento ao momento exigente que se vive na Europa esta não
irá a lado nenhum.
É
neste contexto difícil, para todos, que o PS trava um debate interno pela
liderança, num momento que não foi escolhido pelo seu secretário-geral. Existe
um constrangimento que precisa de ser transformado em oportunidade. O debate
público ajuda. Afinal, o PS teve e tem razão.
DN 2014.08.29
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