(Foto de ENRIC VIVES-RUBIO) |
(PAULO PENA) As várias esquerdas portuguesas mostram curiosidade pelo partido sensação
de Espanha - Encontro no Teatro da Barraca juntou mais de cem pessoas para ouvir três
representantes do Podemos.
À volta de uma mesa em
U, no bar do teatro da Barraca, em Lisboa, a plateia não podia ser mais
heterodoxa. O “palco” pertence a três activistas do Podemos: Héctor Grad, Jesús
Jurado e José Copete, estes dois últimos candidatos na lista que obteve cinco mandatos
no Parlamento Europeu e 1,2 milhões de votos, quase 8% a nível nacional, e mais
de 10% em regiões como as Astúrias e Madrid.
Alguns sentados, a maioria de pé, estavam ilustres portugueses
raramente vistos na mesma sala, a debater política: Joana Amaral Dias, José
Fonseca e Costa, Carlos Antunes, Raimundo Narciso, Raquel Varela. Vários
militantes de quase todos os partidos da esquerda: PCP, BE, Livre, MAS, e
pequenos grupos como o 3D e a revista Rubra, e activistas de movimentos como o
Que se Lixe a Troika.
O
que tem de novo, então, esta “primeira pessoa do plural do verbo poder”, como
Jurado apresentou o novo partido, em bom português? “É um sujeito político
amplo, difuso e muito inclusivo”, explica o jovem sevilhano, que se juntou ao
Podemos em Janeiro, quando o novo partido começou a ser criado, após as grandes
mobilizações anti-austeridade que há três anos surgiram em Espanha.
Héctor
Grad, antropólogo e professor universitário, explicou o êxito com um adágio:
“Juntou-se a fome com a vontade de comer.” Porque a mobilização, mesmo que
fosse crescendo, “não bastava”. “Era preciso uma ferramenta política. E o
Podemos foi essa janela de oportunidade.” Em algumas mesas de voto, o novo
partido conseguiu 25% dos votos, conquistando eleitores a todo o espectro
político espanhol. À esquerda e à direita. Copete tenta explicar porquê tanta
abrangência: “Nesta encruzilhada política, a identidade não é importante. Este
é um momento de mudança. As pessoas apanham coisas de várias ideologias, de
maneira fragmentária.”
Em
Espanha, o rastilho foi o cansaço com a “política de gabinete”, acrescenta
Jurado. A “inoperância das forças tradicionais da esquerda”, junta com o “medo
do quotidiano” que alastrava em Espanha fez com que a “nova linguagem política”
do Podemos ganhasse espaço.
Como?
Dando um objectivo de “auto-estima colectiva” às enormes mobilizações. Por
exemplo, explica Jurado, em cada acção colectiva que impedia um despejo - dos
vários milhares de casos em que o desemprego fez entrar em falência e levou à
execução de hipotecas. Dessas pequenas vitórias no terreno surge, então a ideia
de ganhar, politicamente, nas instituições.
O
resultado foi inesperado. “Nós no Podemos não estávamos preparados para este
resultado, mas o sistema também não estava”, adianta Grad. A resposta da
“casta”, como estes militantes espanhóis gostam de chamar à elite dirigente no
seu país, foi rápida e forte. “Em Espanha até o Rei mudou…”, resume Jurado.
O
partido, que procura seguir o modelo de “assembleias de base” que funcionava
nas mobilizações de rua, tem neste momento “mais de 400 círculos”, ou
assembleias, em funcionamento. E estes vão crescendo “entre 10 e 20% ao mês”.
“Podemos.
Mas podemos o quê?”, é uma das primeiras perguntas que surgem no debate. A
“abrangência” do partido, e a sua renitência em catalogar-se, ideologicamente,
levantou dúvidas em Portugal. Grad definiu o programa do partido espanhol como
“social-democrata radical”. Mas as diferenças entre Portugal e Espanha são
evidentes. Por exemplo, Grad queixa-se do excessivo e constante “pacto” entre
socialistas e comunistas.
A
diferença entre Portugal e Espanha esteve presente na maioria das perguntas.
Ninguém quis perguntar, directamente, como se pode criar, em Portugal, uma
experiência semelhante. Mas Grad não fingiu que esse não era o desejo de alguns
dos presentes. “Não sei se Portugal não pode ter um Podemos porque não teve um
movimento de rua com o 15M. Talvez sim, talvez não…”
A
ouvi-lo estavam alguns dos dinamizadores da maior manifestação que se viu em
Portugal depois de 1974, a que juntou mais de um milhão de portugueses nas
ruas, em 15 de Outubro de 2012. E sendo esse um dos objectivos expressos
pelos organizadores deste encontro - saber como se passa da mobilização à
intervenção política - não houve conselhos, nem saiu da Barraca nenhum roteiro
para uma articulação, em português, da “primeira pessoa do plural do verbo
poder”.
Ao
longo de mais de três horas, numa tarde de sábado, houve debate em
portuñol. Mas o encontro das duas realidades políticas, a portuguesa e a
espanhola, não é tão fácil - nem tem tanta memória - como a mistura das
línguas.
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