Acompanhei, na AR, a visita guiada por Pacheco Pereira à exposição que resultou da sua iniciativa e envolveu uma equipa de colaboradores voluntários e dedicados. O resto fica explicado neste seu artigo-
1. A exposição que podem ver na Assembleia da
República não é sobre o dia 25 de Abril de 1974, cujo 40.º aniversário se
comemora este ano. É sobre o que esse dia permitiu, fez nascer, “abriu”, é
sobre o nascimento da democracia portuguesa no meio da turbulência de um país
que saía de 48 anos de ditadura.
2. Nos 40 anos do 25 de Abril de
1974, muitas das comemorações vão centrar-se no que aconteceu nesse dia. As
interpretações variam: golpe de Estado, revolução, golpe de Estado seguido de
uma revolução, etc. Mas uma coisa é incontroversa: no dia 25 de Abril
começou a nascer uma democracia e ela apenas foi possível pelo que aconteceu
nesse dia. O que aconteceu em 25 de Abril com a ação do MFA foi de facto o “dia
lustral”. O dia do começo. Mas, a partir desse dia, o nascimento de uma
democracia fez-se na sociedade e com a sociedade, com os portugueses. Como se
passa em todas as democracias, foi um processo essencialmente civil,
e numa democracia que nasceu de uma ação militar, foram os civis que se
revelaram fundamentais para a sua construção.
3. Como se retrata o nascimento de
uma democracia? Em primeiro lugar, pela diferença em relação ao que havia. Pelo
tempo de acabar, da PIDE, da Censura, da União Nacional, da ditadura. Depois, e
esse é um dos objetivos desta exposição, começar, mostrar como se começa: o direito
e o exercício de vir à rua manifestar-se, o direito e o exercício de
organizar-se, a passagem à legalidade dos partidos clandestinos e a génese de
novos partidos, o direito de falar e escrever livremente, o direito de votar em
liberdade e escolher quem nos representa e quem nos governa. A democracia
faz-se com política em liberdade, instituições e representação com génese
eleitoral, partidos, participação cívica numa miríade de organizações, discurso
público e propaganda política. No nascimento da nossa democracia, os sinais da
sua pujança revelaram-se em todos estes símbolos, com uma nova iconografia,
paisagem sonora e visual: cartazes, autocolantes, emblemas, faixas, panfletos,
brochuras e livros, fotografias, imagens, filmes e sons. O objetivo desta exposição
é mostrar o rastro que no nosso olhar ficou desses tempos. Privilegia o
que nos envolve, imagens e sons, valoriza o retorno ao passado pela recriação
da sua paisagem.
4. A democracia significou direitos.
Nenhum destes direitos foi concedido, todos foram conquistados. Foi um processo
difícil, caótico, com avanços e recuos, que durou muito mais do que alguns
anos. Em bom rigor, é um processo que continua em curso. Todos os dias. Não foi
um nascimento fácil, nem o poderia ser, devido à longa duração da ditadura,
ímpar na história da Europa ocidental. Não o podia ser também no meio de uma
guerra colonial ativa, com três frentes distintas em África. Mas foi nessa
turbulência que tudo começou, marcada pelos eventos, quer em Portugal, quer nas
colónias, pela vontade muitas vezes contraditória dos seus fundadores, pelo
“ruído” inerente à democracia, dos conflitos culturais, sociais e políticos.
Aliás, o primeiro sinal de que Portugal estava a mudar foi exatamente o facto
de podermos, pela primeira vez, ouvir sem censura, nem polícia política, nem
partido único, e acima de tudo sem medo, esse “ruído” sem o qual não há
democracia.
5. Na elaboração desta exposição não
se partiu do presente para o passado, nem se projetou sobre o passado qualquer
interpretação programática sobre o que neste período foi “bom” ou “mau” para a
génese da nossa democracia. Há interpretação que se revela na própria escolha
de tratar o aniversário do 25 de Abril não a partir dos eventos nesse dia, mas
da génese do regime democrático, cuja casa primordial é o local onde se realiza
a exposição, o Parlamento. No entanto, tentou evitar-se uma seleção de eventos,
rostos e sinais, que chegaram aos nossos dias como os “politicamente
corretos”. A história foi o que aconteceu e não o que muitos dos seus atores
queriam que acontecesse, e o que aconteceu foi que Portugal vive
em democracia nos últimos 40 anos.
Sem comentários:
Enviar um comentário