domingo, 10 de julho de 2011

ANTÓNIO SEGURO - "PR DEVEVIA SER COERENTE" - ENTREVISTA AO "I"

PR devia ser coerente. Em Março disse que há limites para os sacrifícios

por Luís Claro, Publicado em 09 de Julho de 2011 no jornal "i" 
Na apresentação da candidatura disse que alguns militantes do PS o aconselharam a não se candidatar, porque o próximo líder é para queimar. Não corre esse risco?
O que eles disseram é que este não era o meu tempo, porque é um tempo para queimar. Eu considero que este é um tempo em que eu posso ser útil, em função das minhas ideias e das minhas propostas.
Mas liderar o PS na oposição, a seguir a uma liderança forte, não é fácil.
Se fosse fácil seria mais aborrecido. Este é um tempo de desafio para construir uma alternativa para voltar a reconciliar os portugueses com o PS, e para esse objectivo eu não vou estar à espera que o governo apodreça ou que demonstre a sua incompetência. Eu gostaria que, em 2015, os portugueses tivessem à sua frente duas propostas políticas do ponto de vista ideológico completamente diferentes. É para isso que estou a trabalhar.
Quando diz que não vai deixar que o governo apodreça é porque receia que o governo não tenha condições nem capacidade para cumprir o mandato?
Sou um defensor da estabilidade e o meu desejo é que esta legislatura se cumpra.
Não vai fazer nada, se for eleito para a liderança do PS, para antecipar as eleições?
Absolutamente nada. Nem sequer depende de mim, porque este governo dispõe de uma maioria absoluta de direita.
As medidas de austeridade e a possibilidade de revoltas sociais não podem pôr em causa a estabilidade?
O governo dispõe de uma maioria no parlamento. As condições de governabilidade dependem dessa maioria, o que não existiu na outra legislatura. Tudo depende desta maioria política de direita que, neste momento, governa.
No PS, há quem esteja a guardar-se para se candidatar mais perto das eleições legislativas?
Eu, honestamente, só penso no futuro e nas propostas que tenho para encontrar soluções para os problemas.
Faço-lhe esta pergunta porque António Costa era desejado por muitos militantes, mas não chegou a avançar. O que não quer dizer que não o faça daqui a dois anos...
Eu só olho para o futuro e, sobretudo, para os desafios imediatos que se colocam à liderança do PS. A minha disponibilidade para o PS é uma disponibilidade simultaneamente para ser primeiro-ministro de Portugal. É esse o meu objectivo na base de uma proposta política alternativa.
Mário Soares disse que o PS estava a precisar de uma cura de oposição. Esta derrota pode fazer bem ao PS?
Naturalmente que hoje se colocam novos desafios ao PS. Nós somos, por vontade dos portugueses, um partido de oposição e seria errado que o PS não procedesse a uma actualização da proposta política. A minha ambição é modernizar o PS e alterar o seu modo de se organizar.
Não devia haver uma reflexão sobre os erros cometidos no passado?
Já não podemos corrigir o passado.
Mas pode evitar cometer os mesmos erros.
Sim. O PS deve introduzir a prática de aprender com os seus erros, mas não estou neste projecto a olhar para o passado.
Já identificou os principais erros cometidos?
Naturalmente que eles serão colocados no âmbito desse debate que vai seguir- -se ao congresso do PS. Nós estamos na fase de as candidaturas apresentarem os seus projectos e o nosso objectivo é reconciliar os portugueses com o PS, de modo a regressarmos ao poder em 2015, mas não é regressarmos para ocuparmos o poder por si só. É para transformar a sociedade portuguesa, que carece de uma visão completamente diferente. Mas não é só Portugal, é também a Europa, porque hoje os problemas da Europa são os nossos problemas e os problemas de Portugal também são os problemas da Europa. Não conheço nenhuma união económica e monetária no mundo que tenha sido feita sem uma união políti! ca. Temos de olhar para a Europa e perceber que ela está a definhar.
As instituições europeias estão a falhar nas soluções para a crise?
A União Europeia tem sido claramente negligente e incompetente a lidar com esta crise porque fala, mas não faz. Queixa-se, lamenta, mas não actua. Em segundo lugar, as agências de rating não cumprem o seu papel. São autênticos cartéis, que vivem numa total opacidade e que só deviam existir se introduzissem maior informação e antecipassem crises, mas não é isso que acontece. O que é que mudou para que uma das agências viesse classificar Portugal de lixo?
De quem é a responsabilidade da ausência de soluções para a crise?
É dos líderes europeus. Aqueles que estão à frente das instituições com competências para tal, mas também dos líderes dos principais países europeus, com a Alemanha à cabeça. Sobre isso não tenho dúvida nenhuma.
Como viu a reacção do governo português à decisão de uma dessas agências ter baixado o rating de Portugal sem aparente justificação?
O primeiro-ministro português, perante um ataque a Portugal, queixou-se. Disse que tinha sido um murro no estômago, mas o que é que fez? Qual foi a posição política de Portugal? Não basta queixarmo-nos, nós temos de agir.
O que é que podia fazer?
O primeiro-ministro devia ter tomado iniciativas diplomáticas com outros países, devia ter mobilizado a acção diplomática portuguesa e no âmbito da União Europeia há canais - não me compete a mim dizê-los em público - de modo a agir.
Não sabemos se o fez...
Sim, mas a reacção dele foi só uma reacção de lamento. Não houve iniciativa.
O que pode Portugal fazer para sair da crise, tendo em conta o compromisso assumido com a troika?
Portugal vai ter de cumprir políticas de austeridade por via do Memorando da troika, mas neste momento temos de quebrar o ciclo vicioso em que estamos metidos e devemos olhar para o outro lado, que é iniciar uma trajectória sustentável de crescimento económico, porque só assim conseguiremos parar as taxas de juro e a própria dívida. Se olhar para o programa de governo, não encontra nenhuma estratégia sustentável de crescimento económico.
O governo não tem estratégia para a economia?
Não tem, ou se a tem está escondida.
O programa da troika prevê que Portugal não vai crescer nos próximos anos...
Sim, isso é evidente. Eu não peço um milagre. O que eu peço é que o governo tenha a ambição de desenvolver uma política económica que contrarie essa contracção económica que vai existir, porque mais austeridade a somar à austeridade não acalma os mercados financeiros como se notou.
O PS não estará disponível para aprovar mais medidas de austeridade para além do programa da troika?
A minha disponibilidade à frente do PS é para honrar os compromissos do programa da troika, mas o PS, comigo, não ficará refém do Memorando. Eu critico mais austeridade, mas apresento um caminho. Defendo um apoio mais preciso às empresa que exportam ou, por exemplo, um apoio às pequenas e médias empresas que estejam disponíveis para diversificar a sua produção de modo a proceder à substituição de importações por produção nacional.
Se seguirmos esse caminho que defende é possível voltarmos a estar acima dos 3% nos próximos anos?
Os próximos dois anos vão ser obviamente difíceis, mas se nós não começarmos já a tomar medidas para conseguirmos crescer economicamente vamos tardar a sair deste ciclo de austeridade. A austeridade não pode ser o nosso destino. Este governo está concentrado no Memorando da troika, mas o cumprimento dessas responsabilidades só assegura que as tranches previstas - no âmbito dos 78 mil milhões de euros - virão, mas não resolve o problema essencial, que é o fraco crescimento da economia.
O governo do PS caiu por falta de apoio maioritário no parlamento. Que soluções defende para resolver, no futuro, o problema da governabilidade?
A minha meta é muito clara: governar com uma maioria absoluta. É para essa meta que eu tenho de preparar o PS.
É difícil conseguir uma aliança à esquerda?
O PS é o espaço natural de encontro dos homens e das mulheres da esquerda democrática e uma das prioridades é abrir o PS a essas pessoas.
Estou a falar na possibilidade de alianças com o PCP e com o Bloco de Esquerda. Vai tentar criar condições para que possam existir entendimentos à esquerda?
Nós respeitamos esses dois partidos. Unem-nos as preocupações sociais, mas dividem-nos imensas posições, designadamente em relação à construção europeia.
Defende na sua moção a implementação dos círculos uninominais. O PSD também defende alterações ao sistema eleitoral. Está disposto a ceder na redução do número de deputados, como quer o PSD, para chegar a acordo?
Apresento como proposta para a discussão os círculos uninominais, compensados com um círculo de âmbito nacional, para permitir que o princípio da proporcionalidade, que defendo, não seja colocado em perigo. A forma como se vai traduzir isso em concreto, ou se há outras propostas que possam corresponder ao mesmo princípio, será encarada com total abertura. A minha disponibilidade e a minha determinação é que as próximas eleições já ocorram de uma forma diferente.
Qual é a sua opinião sobre a redução do número de deputados?
Isso é algo que vai estar em cima da mesa quando chegar a altura de discutir essa alteração do sistema eleitoral. Eu tenho uma marca na minha forma de fazer política, que é ouvir antes de decidir e eu ouvirei todos os órgãos do PS antes de tomarmos essa decisão
Mas está disponível para discutir essa possibilidade?
Estou disponível para, até ao final do ano, chegarmos a um entendimento com a maioria no sentido de alterarmos a legislação eleitoral para a Assembleia da República e para as autarquias.
Mesmo que tenha de fazer cedências no número de deputados?
Como lhe disse gosto muito de ouvir antes de decidir e, portanto, ouvirei os órgãos próprios do PS e os deputados.
Considera importante fazer acordos mais alargados com este governo. Em que áreas?
O combate à corrupção parece-me essencial. A Justiça também. Nós temos uma justiça lenta, cara e entulhada de processos que podem ser resolvidos através de meios extrajudiciais. Há aí um trabalho muito grande onde pode haver uma convergência de pontos de vista e a disponibilidade do PS será grande para ajudar a resolver estes problemas.
Que medidas concretas é que vai apresentar para combater a corrupção?
A legalização dos lóbis parece-me indispensável e defendo que é preciso maior transparência na gestão dos dinheiros públicos e na aquisição de bens para a administração pública.
Criminalizar o enriquecimento ilícito é uma delas?
Não é um tema que esteja absolutamente resolvido dentro do PS. Há diferentes sensibilidades e, portanto, eu tenho uma grande disponibilidade para podermos dar alguns passos no sentido de resolvermos essa situação de uma vez por todas.
Qual é a sua opinião?
Pessoalmente, não tenho nenhum problema que, escrutinado o meu património, tenha de me justificar se houver uma divergência entre aquilo que tenho e aquilo que recebi. Não tenho nenhum problema, porque considero que seria meu dever dar exemplos que afastassem, casos existissem, nuvens de suspeição sobre mim.
Será daquelas questões em que haverá liberdade de voto na bancada do PS?
Veremos, mas quero introduzir a liberdade de voto como regra do exercício das funções do deputado, excepto para as questões da governabilidade e para aquelas que são constantes da nossa promessa eleitoral. Neste caso associa-se o Memorando da troika, mas há um conjunto de outras áreas onde quero introduzir essa liberdade e julgo que o parlamento ganhará muito com isso.
Já votou contra a sua opinião?
Do ponto de vista da consciência, nunca, mas nunca votei contra propostas do governo. Podia ir à reunião do grupo parlamentar ou à Comissão Política dizer que concordava ou que discordava, mas no momento em que era preciso a minha lealdade eu lá estava. A minha obrigação era ser leal e solidário com o governo.
Que propostas é que o PS vai apresentar no parlamento, no início da legislatura, se for leito para a liderança?
Uma das propostas pelas quais me vou bater é para que o governo possa começar a introduzir o orçamento base zero. Se introduzirmos essa lógica na vida da administração pública ,reduzirá, em grande parte, a despesa pública. Este é mais um exemplo de um contributo positivo que o governo deveria acolher para reduzir despesas em áreas inúteis.
Quando o PS governava, o Presidente da República disse que há limites para os sacrifícios que se exigem ao comum dos cidadãos. O Presidente deveria ter uma reacção mais firme em relação às novas medidas de austeridade?
Essa pergunta é pertinente e interpela a coerência do comportamento político e da acção política do senhor Presidente da República.
Devia dar um sinal de que é contra mais medidas de austeridade em coerência com o discurso da tomada de posse?
Eu ouvi-o dizer, no dia 9 de Março, que há limites para os sacrifícios dos portugueses. O que eu considero é que ele devia, na prática, ser coerente com essas palavras.
Identifica-se com este grupo parlamentar, escolhido por José Sócrates?
É um grupo parlamentar constituído por deputados que eu conheço. Conheço as suas qualidades. A minha disponibilidade é para ser o líder de todos os socialistas e para assumir todo o património do PS.
Tem um grande número de ministros e secretários de Estado que tiveram responsabilidades na governação que conduziu à derrota do PS?
Não faço diferença. Como a Mafalda Veiga costuma cantar: "Não procuro o futuro no avesso do passado."
Defende mudanças na organização do PS e já disse que vai lançar um debate a seguir ao congresso. O que vai fazer de concreto?
Eu tenho ideias, mas não quero que esse seja um debate que vai discutir as minhas ideias. Quero que seja uma discussão com todas as propostas e todas as ideias dos militantes. Tenho a visão de um partido a trabalhar mais em rede do que propriamente hierarquizado. Eu quero um partido de baixo para cima e essa iniciativa vai já ser uma discussão que vai revelar a natureza desse partido.
Mas deve ter prioridades.
Uma das minhas prioridades é reactivar o gabinete de estudos, não só para receber os contributos dos militantes como dos simpatizantes. Eu olho para o PS como um espaço de debate político permanente. Todas as organizações evoluíram, mas os partidos e o PS continuam a manter uma matriz muito rígida e muito verticalizada e julgo que há boas propostas que nos podem conduzir a uma lógica e a maior abertura.
Não vai ao ponto de pôr em causa a actual organização, quando falamos, por exemplo, das concelhias e das distritais?
Tudo estará em causa para ser discutido. Temos de saber ousar e ser criativos e encontrar espaços que sejam atractivos. As pessoas gostam da política, mas não participam mais por não gostarem da forma como se faz política em Portugal. O PS tem de ser vanguardista, tem de ser pioneiro...
Não são os próprios partidos que têm resistências a receber pessoas que põem em causa interesses instalados?
Mas se essa for a opção do PS, o partido, a pouco e pouco, vai definhar.
O PS, se não fizer essas mudanças e seguir este caminho, pode definhar?
Sim. Nós temos de nos abrir e essas mudanças são indispensáveis. No PS há gente de uma enorme qualidade entre os milhares de militantes.
É possível manter este Estado social?
O principal problema é o fraco crescimento económico. Na última década crescemos 1% em média. Se não resolvermos este problema, não existem condições para que as funções sociais do Estado estejam ao nível daquilo que é nossa ambição.
O apoio aos desempregados deveria ser alargado nesta altura?
A principal tarefa é criar condições para que as empresas possam criar riqueza e postos de trabalho. O nível de desempregados é elevadíssimo e temos de dinamizar a economia.
O Estado não tem condições para apoiar mais os desempregados?
É preciso ter dinheiro para o fazer. E, por isso estou a colocar-me do lado da necessidade de gerar emprego.
Teme alguma contestação social às medidas de austeridade que vão ser aplicadas nos próximos tempos?
Naturalmente que ela vai existir. Já foi anunciada. A minha disponibilidade é para ter um diálogo muito intenso com os sindicatos, mas também com o mundo laboral no seu conjunto. Considero muito importante que o PS não seja apenas o partido da classe média, mas seja também o partido dos trabalhadores. E há aí uma boa acção política para desenvolver.
Não exclui que o PS possa apoiar alguma dessa contestação?
O que os portugueses sabem é que o PS está sempre ao seu lado para ajudar a resolver os problemas do país.
Está preparado para ser primeiro- -ministro ou ainda é cedo para lhe fazer esta pergunta?
Se não me sentisse preparado não me candidatava à liderança do PS.
Quer ser primeiro-ministro em 2015?
Em 2015, que é quando estão previstas as próximas eleições.

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