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Álvaro Isidoro/Global Imagens |
(Opinião) Os Ingleses preferiram o "grand large" ao
continente. Na reação aos resultados do referendo, o presidente da Comissão
Jean-Claude Junker, um político experiente e respeitado, deu uma conferência de
imprensa para dizer aos ingleses que apressem a partida. Parece que acabou com
aplausos... dos funcionários. Perfeita alegoria.
O
resultado do referendo foi a muitos títulos surpreendente. A começar pelo
argumento do medo. Alguns criticaram-no como impróprio, mas ele sempre me
pareceu razoável, já que não há nada de mais legítimo do que apelar à recusa do
que é desconhecido e imprevisível. O que me surpreende é que este argumento,
que nada tem de irracional, tenha sido insuficiente para convencer os
britânicos a ficar. Primeira lição: o nível de insatisfação tinha de ser
profundo para ainda assim, sem sabermos o que vai acontecer a seguir, decidir
partir.
Por
outro lado, para quem é europeísta, a decisão de sair teve, é certo, más
razões. O argumento da imigração é, aos meus olhos, desprezível. A invocação do
problema dos refugiados é também indigno para um País com as tradições e as
responsabilidades dos britânicos. Aliás, não parece despropositado lembrar que,
para além da proteção do direito internacional, estes refugiados poderão
invocar que, em parte, as suas vidas foram destruídas por uma guerra
injustificável que o Reino Unido iniciou e na qual participou.
Tudo
isto é certo e todavia tudo isto não chega como explicação. É preciso estar
cego para não ver também nesta decisão razões bem positivas e democráticas. A
recusa em ser governado por aparelhos administrativos, que não só não são
eleitos como não respondem perante ninguém, devia convidar a Europa a debater
seriamente o chamado défice democrático das suas instituições. Em particular,
quando ainda recentemente, com o Tratado Orçamental, lhe foram atribuídos
poderes que permitem recusar propostas orçamentais antes de serem aprovados
pelos parlamentos nacionais. O sentimento que temos de que um anónimo grupo de
funcionários europeus determina mais a nossa política orçamental que o nosso
voto é desesperante. Não há nada mais autoritário do que o governo de ninguém.
Num governo tirânico, sempre podemos responsabilizar o ditador e fazer tudo
para o afastar. Não é o caso do governo em que não elegemos ninguém, nem podemos
responsabilizar ninguém, porque não conhecemos ninguém. Segunda lição: a deriva
tecnocrática é a causa principal do desencantamento do projeto europeu.
Mas
talvez o pior tenha sido o que me parece ser a desconfiança britânica em que
por detrás deste governo de funcionários estivesse, afinal, a Alemanha. A
liderança impositiva que substituiu a tradicional liderança inclusiva de uma
União entre iguais é, sem dúvida, um dos traços mais marcantes e deprimentes do
atual projeto europeu que conduziu a uma profunda desconfiança entre os do
norte e os do sul e entre o centro e a periferia. Terceira lição: este é o
primeiro sinal de insubmissão à "pax germânica" em construção.
A
convocatória do referendo foi uma aventura. A negociação entre a Europa e o
governo de Cameron uma desgraça. A defensiva campanha pela permanência no
mínimo embaraçante, pelo menos para quem é europeísta. Mas tudo isto já foi,
agora é preciso construir em cima disto. Porque a verdade é que tudo pode
acontecer - o melhor e o pior. E a primeira tarefa construtiva compete aos
líderes da saída, que precisam de dar uma resposta positiva ao que propuseram.
Não me parece que tenham a vida fácil, em particular com a sua própria unidade.
Com efeito, vai ser preciso muita imaginação para apresentar boas razões aos
escoceses que queiram, também eles, reclamar: "we want our country
back"
A
Europa tem uma dura tarefa pela frente. Depois de cerca de 17 milhões de
cidadãos, que ontem eram europeus, terem dito que não querem continuar,
parece-me irresponsável responder com ressentimento. Ou pior ainda, com o
argumento do populismo, como se tudo o que é decidido pelo povo e não pelos
funcionários fosse desdenhável. Quarta lição: a única reação política à altura
dos tempos é uma resposta enérgica e urgente de reforma democrática da União.
Os especialistas do "realismo" dirão que não há condições políticas,
ou que não há consensos, ou que não há seja lá o que for. Pois o que digo é que
há momentos em que o que menos precisamos é dos especialistas da "prudência"
- o pior é nada fazer. A resposta mecânica, impessoal e defensiva podemos
deixá-la aos funcionários dos aparelhos burocráticos que "dão tudo a quem
deles espera tudo, porque... nada são fora deles". (Divulgado pela TSF)