quarta-feira, 27 de abril de 2016

Viseu - Pedro Baila Antunes - o discurso do 25 de Abril

Reproduz-se na íntegra o discurso de Pedro Baila Antunes no 25 de Abril, no Museu Nacional de Grão Vasco, em nome do grupo parlamentar do PS, durante a celebraçao promovida pelo município.


"Em cada rosto Igualdade!
Intervenção de Pedro Baila Antunes (Grupo M PS) na Sessão Extraordinária da Assembleia Municipal de Viseu, comemorativa do 25 de Abril, 25-04-2016

 “Em cada rosto, igualdade“! Bom Dia a Todos!
Apenas dois cumprimentos especiais, enquadrando e venerando o Tempo e o Espaço:
1.         Neste Dia, uma vénia de sempre – sentida e não protocolar - aos Militares de Abril aqui presentes.
2.         Neste Lugar, uma saudação ao Sr. Dr. Agostinho Ribeiro, Diretor do Museu Nacional, Nacional, de Grão Vasco. Que aqui bem alto, na distinta Acrópole de Viseu, expõe um dos maiores símbolos do renascimento em Portugal, certamente o maior artisticamente.
Já nesse Tempo, como no que hoje evocamos - Abril de 74 - se exaltavam os ideais do humanismo, pregando a liberdade do indivíduo, orientado pela razão e pela vontade, desfazendo padrões, recriando uma nova forma de viver conscientemente escolhida / de escolher em consciência.
Só a existência de indivíduos livres estimula o espírito humano!

Ex.mos, Todos…
Com razão e paixão vociferante é imprescindível, continuadamente, vincar para as novas gerações o que foi o regime fascista. Como diz o filósofo José Gil, nos Portugueses, a miúde, verifica-se o fenómeno da não inscrição. E, veja-se lá, num qualquer concurso da TV, salazar foi eleito "o maior português de sempre".
É preciso não esquecer para não voltar a acontecer!
•          ditadura; autoritarismo; obscurantismo; opressão; alienação; censura (a medo se escrevia, a medo se falava);
•          perseguição; polícia política, prisões políticas ; tribunais plenários; crimes políticos; medidas de segurança;
•          Tortura. A tortura do sono, da estátua, os desnudamentos, a frigideira do Tarrafal. Tortura medicamente assistida, cinismo absoluto, assegurando a continuidade de tortura e evitando mortes incómodas para o regime;
•          interdição do direito à greve; direito de voto não universal;
•          colonização, 13 anos de guerra, 8290 mortos, 30 mil deficientes, 140 mil combatentes com “stress de guerra”;
•          caridade; diferenciação social; analfabetismo.

…Em cada rosto desigualdade…
Escrevi estas palavras a vermelho e ainda assim não consegui adjetivar o dito Estado Novo… Já agora mais uma: salazar, que rascunho em minúsculas e o posso dizer a todos…
Entretanto, finalmente e antes do adeus, escutou-se a Grândola!
Há uma musicalidade – e até nem é música – que me toca desde criança no âmago do peito. Não sei explicar. Ou até sei! É o andamento no saibro, o marchar no saibro com Grândola-eloquência que, lento, compassado e convicto, se tornou força de libertação. Da Parada da Escola Prática de Cavalaria ao Quartel do Carmo, o movimento das Forças Armadas foi libertando o Povo do estado e do Estado a que tínhamos chegado. Comandado por ele, SALGUEIRO MAIA. SALGUEIRO MAIA que escrevo em letras maiúsculas, sublinhadas e a bold.
A primeira letra do alfabeto do 25 de Abril é, certamente, o “L”, e com o “L” vem o “D” ou os 3 ilustres “D’s” basilares para a Liberdade. De “A a Z” muitas “letras…” foram finalmente escritas e livremente clamadas em Portugal. Outras letras não foram cumpridas, outras têm vindo a ser “desaprendidas…” ou até são ameaça!
Continuando no “D”, poderia até falar da Demografia, ou da Depressão Demográfica, uma das maiores ameaças de que padece Portugal, também poderia, mas não vou, falar do Défice, da Dívida (!), mas, em Abril, vou discorrer sobre a Desvalorização do Trabalho, sobre a Desigualdade de Rendimentos.
Os Tempos de hoje, exigem uma agitação de consciência, mesmo, ou sobretudo…, em momentos celebrativos, até porque o espírito de abril exige que estejamos bem despertos.
Em Portugal, Abril abriu as portas da civilização europeia do pós II Guerra Mundial. Portugal beneficiou assim tarde dos “Gloriosos Trinta Anos” na Europa,
Um Ocidente pacificado, “centro do Mundo”, conjugando democracia e capitalismo (…económico…), industrializado, baseado no real, em recursos naturais / matérias primas, com energia acessível, com grande desenvolvimento científico-tecnológico. Germinou até a crença num crescimento económico eterno, nesta época de aumento considerável de consumo, criação e desenvolvimento do estado-providência, ampliação da qualidade de vida, significativa mobilidade social ascendente e dignificação do trabalho.
Portugal, porque beneficiou tarde, beneficiou pouco, começou a beneficiar quando precisamente várias circunstâncias, económicas, ambientais, políticas e ideológicas começavam a pôr um fim a este período.
Em meados dos anos 80, despontava o capitalismo financeiro, o livre funcionamento dos mercados (tecendo-se um enredo abstrato de ricos investidores), o primado do indivíduo em detrimento da sociedade, a desvalorização do trabalho. A predominância deste capitalismo contemporâneo focado na rentabilidade máxima e no curto espaço de tempo possível. Apenas o valor/ a rentabilidade para os acionistas e os gestores de topo interessa.
Hoje o capitalismo financeiro, ao serviço não da sociedade, mas de uma minoria muito minoria, está verdadeiramente arguto e subtil, reproduzindo simplesmente dinheiro, não na economia real, na produção, mas na vacuidade insustentável de engenharias financeiras, dos  créditos, derivados, ativos tóxicos ou menos tóxicos, offshores e outros, vamos lhe chamar…(!): bypasses…
É um capitalismo sem paciência para tudo que demore tempo, para investimentos produtivos, para projetos produtivos inovadores, para I&D. É um capitalismo arrogante para todos aqueles que ameacem a sua rentabilidade: os trabalhadores, que são entendidos como um instrumento de trabalho e o seu salário um mero custo de produção. Os sintomas de desigualdade económica crescente estão aí à evidência.
Os estados e as instituições internacionais, condicionados na decisão política, reféns dos mercados financeiros, acabam por estar dependentes e induzem esta financeirização da economia.
Em Portugal, recentemente, tivemos um período de governação paradigmática destas políticas, tendo sido para o efeito suportada pelas instituições europeias e pelo FMI que sempre apreciaram a “lealdade com que o governo cumpriu as funções que lhe foram confiadas”.
Nos últimos anos, no nosso país, o peso dos rendimentos do trabalho no rendimento total desceu acentuadamente, tendo hoje um valor menor do que nos EUA, um país de tradição anglo-saxónica, mais liberalizante. Em muito contribuiu a política de desvalorização interna seguida, em que o salário foi visto apenas como um mero custo de produção e não uma componente de rendimento.
E o desemprego, e o pensar-se que era um problema de responsabilidade individual e uma “oportunidade para mudar de vida”, e o corte nos subsídios de desemprego, e a redução da proteção do emprego, e as restrições na contratação coletiva, a precarização dos contratos de trabalho… Do “D“ da Dignificação do trabalho passámos em poucos anos para o “D“ da Desvalorização do trabalho, de quem trabalha ou quer trabalhar.
Todo este cenário a par das tecnologias de substituição de mão de obra, da globalização, do comércio livre, da deslocalização das industrias para países com dumpings sociais, regulamentares, ambientais e políticos. Não falando das taxa de natalidade e do envelhecimento populacional.
Este anátema ameaça seriamente a nossa democracia. Hoje, para onde caminham os pilares da civilização ocidental, mormente europeia, que as portas que Abril de 1974 abriram em Portugal? O Estado Social, a qualidade de vida, o nosso ideal da igualdade de oportunidade, a dignificação do trabalho?
Em Portugal, parece agora desabrochar uma semente de esperança!

Ex.mos, Todos…
O dinheiro pelo dinheiro, a sobrevalorização dos investimentos financeiros em detrimento dos investimentos produtivos, e entender-se o salário apenas como um custo de produção são duas realidades contemporâneas que promovem a desigualdade de rendimentos e põem em causa as capacidades produtivas e a criação e a distribuição de riqueza por todos.
O Espírito de Abril exige que estejamos bem acordados, que tenhamos consciência do que tudo isto significa para o nosso futuro coletivo.
Faz sentido aqui, convocar o sociólogo polaco Zygmunt Bauman. Nesta Modernidade Líquida, vivemos tempos de efemeridade, imediatistas e mediatistas, demasiado imateriais, certamente pouco maturados, sem estratégia de longo prazo, de eventos e ações descartáveis, de informação em vez de conhecimento, muito menos sabedoria, tempos light, em que a forma, o anúncio, parecem mais relevantes que o conteúdo.
A política parece ter ido atrás deste Espírito do Tempo.
Precavendo uma qualquer revolução – de espírito reverso ao 25 de Abril - ou mesmo um cataclismo político e socioeconómico, a Política, neste tempo de ciclone, deve assentar a borra. É necessário refletir antes de agir. Sem dogmas ou pruridos, pragmaticamente, as velhas ideologias - saídas da segunda metade do séc. XX - têm de se reformatar aos Novos Tempos.
Em consonância com a matriz fundadora da União Europeia, da Civilização Ocidental Moderna e do espírito do 25 de Abril, temos de almejar um capitalismo para todos, sustentável, económico, ambiental e social. Redistributivo!
No ápice da minha intervenção – qual raiz do 25 de abril – de chofre, relembro alguns princípios e valores inquestionáveis que têm de ser bem proclamados e, acima de tudo, constantemente nutridos:
Democracia; republicanismo; ética; parlamentarismo; progressividade; valorização do poder local; coesão territorial; pluralismo político-partidário; participação cívica; cidadania; individualidade (não confundir com individualismo); igualdade de capacidades e de oportunidades (não confundir com igualitarismo); valores e direitos sociais; direitos laborais; defesa do meio ambiente; criatividade; educação e ciência; justiça e saúde para todos. E… repetir sempre… sempre…
hoje, 25 de Abril, e todos dos dias:

Liberdade, liberdade, liberdade… liberdade!"

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