Ex-governante quer concorrer a secretário-geral da ONU. Processo inicia-se
em setembro
António Guterres continua empenhado em
concorrer ao cargo de secretário-geral das Nações Unidas, cujo processo oficial
de escolha deverá iniciar-se no próximo mês, durante a presidência por Espanha
do Conselho de Segurança, soube o Expresso.
O ex-primeiro-ministro, que se encontra de
momento em férias, manter-se-á até ao final do ano como Alto Comissário para os
Refugiados, terminando o seu segundo mandato à frente desta agência, mas mantém
inalterada a vontade de poder ir mais longe nas Nações Unidas. O mesmo desejo
que, em última análise, o levou a rejeitar a candidatura a Belém, conforme o
próprio anunciou, em abril passado.
Desde o início de junho que a Assembleia
Geral começou a discutir o projeto de resolução que deverá conduzir o processo
de seleção para o próximo secretário-geral, que iniciará o seu mandato em
janeiro em 2017. A 1 de junho, aliás, Portugal foi um dos 27 Estados
subscritores de uma carta aos presidentes da Assembleia Geral e do Conselho de
Segurança, reclamando maior transparência e abrangência nos métodos de trabalho
e processos de eleição na organização. A carta é da responsabilidade do grupo
ACT, iniciais em inglês de Prestação de contas, Coerência e Transparência.
O grupo, que reúne países de todos os
continentes, recomenda que o processo de nomeação se inicie de modo aberto
através de uma carta conjunta daqueles presidentes, convidando os
Estados-membros a apresentar candidaturas e fixando calendários e etapas.
Segundo o ACT, é necessário um processo mais rigoroso e transparente “na
seleção do próximo chefe da organização, para nos representar a todos”. E
sublinha: “Para garantir tempo suficiente para todas as considerações, a altura
para iniciar o processo é agora”. A ideia é, pois, que isto se faça logo em
setembro ou, o mais tardar, em outubro, quando o Reino Unido assumir a
presidência do Conselho de Segurança.
Mas a caminhada até ao supremo cargo da
organização — cujo primeiro ocupante, o norueguês Trygve Lie, descreveu como “o
trabalho mais impossível do mundo” — não se afigura fácil para Guterres, nem
para nenhum outro candidato, de resto. Na corrida, conhecem-se já pelo menos 18
concorrentes (ver lista ao lado), nove dos quais oriundos do grupo da Europa
Oriental, a quem, segundo o costume da rotação nas Nações Unidas, deveria caber
agora a vez. Desde o início da organização, nunca houve nenhum secretário-geral
proveniente desta região, o que esta agora reivindica.
Não é, pois, por acaso que os primeiros
nomes a surgir oficialmente foram endossados por Governos desta parte do mundo:
Danilo Türk, ex-Presidente esloveno (2007-2012) com carreira na ONU (foi
assistente do secretário-geral para os Assuntos Políticos entre 2000 e 2005,
além de outras funções representando o seu país), e a búlgara Irina Bukova,
ex-ministra dos Negócios Estrangeiros e atual diretora-geral da UNESCO, ambos
em 2014. Antes disso, Vuk Jeremik, ex-ministro dos NE sérvio e ex-presidente da
Assembleia Geral da ONU já anunciara a sua candidatura (2013), bem como a atual
ministra croata dos negócios Estrangeiros, Vesna Pusic, que se apresentou
também em maio passado.
CORRIDA DE OBSTÁCULOS
Todos eles já estão em campanha, bem como
outros potenciais concorrentes, mas nada garante que qualquer deles venha a
obter o consenso dentro do Conselho de Segurança, onde pontua a vontade dos
cinco membros permanentes com direito a veto: Estados Unidos, Rússia, China,
Reino Unido e França. do Conselho de Segurança (ver caixa).
Como descrevia um diplomata, “há sempre
anticorpos em relação a muitos candidatos. À medida que vão analisando as
candidaturas, os cinco membros permanentes vão pondo as suas cruzinhas. A
questão é encontrar um que não receba nenhuma bola preta”. Ou seja, que não
tenha o veto de nenhum deles. E na situação atual de relações tensas entre
leste e oeste a propósito nomeadamente da Ucrânia, vai ser difícil encontrar um
que agrade em simultâneo à Rússia ou à China e aos Estados Unidos.
O ponto é mesmo esse e, eventualmente, as
duas candidatas búlgaras (Irina Bukova e a comissária europeia Kristalina Giorgieva)
poderão ser rivais de peso. Pelas suas biografias e perfil podem agradar a
ambos os lados, além de que são mulheres — uma reivindicação que está a crescer
entre os movimentos de pressão. Mas, dizia um perito nestes assuntos, nunca
será esse o critério de decisão: “Se houver uma mulher com capacidades, tanto
melhor, mas a escolha à partida nunca será essa”.
António Guterres tem um prestígio
indiscutível na ONU e mexe-se bem na organização, reconhecem várias fontes. “É
o melhor candidato no cenário improvável de falhar um candidato da Europa de
Leste e a escolha não passar para a América Latina, em vez de se manter na
Europa”, dizia ao Expresso um membro do Governo.
A América Latina, além de não reconhecer o princípio da rotação, também reclama
agora a sua vez, apresentando vários candidatos.
No grupo da “Europa Ocidental e outros”,
essencialmente os antigos países mais desenvolvidos, há também candidatos
fortes, a começar por Helen Clark, ex-primeira-ministra neozelandesa e atual
administradora do Programa de Desenvolvimento da ONU, outra mulher. Por isso, a
caminhada será sobretudo uma corrida de obstáculos. E, claro, o resultado
improvável de uma conjunção de imponderáveis
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