quarta-feira, 22 de julho de 2015

(JN) Felisbela Lopes - "A inevitabilidade dos caciques"

As eleições legislativas abrem às estruturas locais uma inescapável oportunidade para imporem os seus candidatos em lugares elegíveis. São, por norma, gente do aparelho, sem grande brilho profissional, nem assinalável notoriedade pública. Mas com grandes competências na arte de dominar processos eleitorais. No próximo ciclo legislativo, esses deputados lá estarão a decidir em nome de uma nação que dificilmente encontrará aí os seus representantes.
Não será simples a empreitada de constituir listas para eleições legislativas. Porque aqueles que importa atrair mostram desinteresse por qualquer envolvimento com os partidos e porque aqueles que seria ajuizado afastar se revelam inevitáveis para pôr em marcha uma campanha pelo chamado país real. Por isso, em qualquer circunscrição eleitoral há sempre o cabeça de lista que se apresenta com alguma singularidade e todos os outros que, por norma, não convém muito conhecer, porque aí se misturam muitas e variegadas gentes. Gente inteligente e gente assustadoramente ignorante. Gente com espírito de serviço público e gente com inconfessáveis vícios privados. Gente com interesse e gente sem qualidades. Essa gente senta-se lado a lado, em bancadas que deveriam ser povoadas de deputados de elevada competência.
Nos últimos tempos, os partidos vêm revelando um certo interesse pelos chamados independentes que têm a enorme vantagem de ajudar a renovar a classe partidária. Mas o seu contributo vai além disso. Num país em que os políticos profissionais têm licenciaturas com pés de barro e carreiras pouco estruturadas, os independentes fazem uma espécie de lavagem de curriculum de listas que se sabem pouco consistentes. Estão ali a disputar eleições e teoricamente deixam para trás uma profissão a que dedicaram todo o esforço e onde conquistaram inegável reconhecimento. Ora, na verdade, estes processos não serão assim tão lineares, porque, nas curvas e contracurvas de um percurso eleitoral, há sempre variáveis que invertem essas aparentes boas intenções.
Será, decerto, inverosímil pensar que os candidatos independentes com carreiras longas e sólidas fora da política estão ali a disputar um lugar na quarta fila do hemiciclo ou uma discreta presença em qualquer comissão onde os deputados profissionais se impõem. Na maior parte dos casos estão ali ao serviço da notoriedade ou em trânsito para qualquer cargo num futuro Governo ou numa administração de uma instituição pública. Uma campanha é apenas uma espécie de aquecimento para uma corrida que se desenrolará com outros parceiros a um outro ritmo. Mas não se pense que estes independentes têm vida fácil nesta fase da sua vida política partidária. Não têm. Porque, por regra, as estruturas concelhias e distritais consideram estes candidatos como arrivistas a quem convém demonstrar quem manda. A colisão, por vezes, revela-se inevitável. Por isso, estas apostas são sempre de alto risco para quem faz o convite e para quem aceita o desafio. A margem de recuo aqui é nula, mas o espaço para tudo correr mal é gigantesco.
À vontade de inovar dos independentes, o caciquismo local contrapõe velhas estratégias que se apresentam como incontornáveis possibilidades práticas de ação. À intenção de alargar a rede daqueles que podem integrar uma candidatura, o caciquismo local prefere fazer campanha com as bases que muitas vezes cristalizaram à volta de discursos que ninguém ouve. Não deve ser fácil trabalhar assim, mas em muitos círculos e em vários partidos esta realidade estará muito presente nas próximas semanas. Será vivida intensamente nos bastidores e disfarçada nos palcos partidários.
Poder-se-ia abrir aqui um intervalo de tolerância para aquilo que não será o melhor ambiente numa campanha eleitoral. Mas há que considerar também o período pós-eleitoral onde cada partido sabe (muito bem, aliás) que senta na Assembleia da República deputados pouco qualificados. Estão ali por lógicas partidárias. Apenas. E é isso que nos faz desesperançar de olhar para a casa da democracia como o lugar onde estão os melhores de entre nós.


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