"Não, não vou falar de Passos e do Governo. É preciso, bem sei. Mas
cansa, anotar mentiras, números martelados, inanidades e desaforos todos todos
os dias, e perceber que têm disso fábrica em laboração contínua e são mesmo
bons no mister, bem melhores e bem mais incansáveis que quem os desmente. A
dada altura, a pessoa já nem quer tomar conhecimento. Como em relação ao tema
no qual estupidez, crueldade e falseamento vão ao esplendor e que, morto-vivo,
inapelavelmente regressa -- o aborto.
Lá o
temos a 3 de julho de novo no parlamento, pela iniciativa legislativa
"direito a nascer", subscrita por 38 mil cidadãos, com a inevitável
Isilda Pegado à cabeça. Querem que "a mulher seja obrigada a ver a
ecografia do feto e a assiná-la", a pagar taxa moderadora caso não apresente
atestado de insuficiência, e não tenha direito a "licença paga". E
que os médicos objetores de consciência, ou seja, que se opõem ao aborto,
participem nas consultas do dito, que "o outro progenitor seja
ouvido" e que menores de 16 possam decidir levar gravidez a termo.
Irrita,
sim. Mas é poucochinho. Quê, não exigem esfregar-se a ecografia na cara de quem
quer abortar? Não determinam que lave escadas para pagar o desmancho,
preferencialmente desmanchando-se em sangue? E não estatuem que só clínicos
anti-aborto podem dar consultas a quem quer abortar e decisão, seja da mulher,
da miúda ou do "outro progenitor", só se admite contra?
É que, caros,
ou é ou não é. Ao limitarem-se a tentar dificultar o ato e humilhar quem o
pratica, admitem o direito ao aborto, logo, a inexistência do "direito a
nascer", reduzindo-se à guerra da propaganda e às más fés do costume:
disfarçar o facto de o número de abortos "por vontade da mulher", que
em 2007 clamavam dever alcançar os 30 a 40 mil anuais por "a oferta estimular
a procura" (sim, disseram isto e nunca se retractaram), nunca ter chegado
sequer aos 20 mil e estar até a diminuir - menos 20% de 2012 para 2014;
insistir na ideia da "leviana" que repete abortos quando a maioria -
59% - é mãe (30% de mais de um filho), a taxa de repetição portuguesa é das
menores do mundo e pós-aborto 95,4% das mulheres escolheram um método
contracetivo, com 38,2% a optar por dispositivo, implante ou laqueação;
insinuar que quem aborta tem direito a licença paga quando o número de licenças
por aborto, na casa das 4 mil, se manteve inalterado antes e pós legalização de
2007; martelar na taxa moderadora quando tal só iria prejudicar as mulheres de
fracos recursos, aliás a maioria (59%) das que abortam - 21,57% são
desempregadas, 18,07% trabalhadoras não qualificadas e 17,06% estudantes -, as
quais arrostariam para fazer prova de carência, como Isabel Moreira bem
sublinhou já, perigos para o sigilo e portanto, potencialmente, para a sua
segurança.
Não ia
falar de Passos, dizia. Mas dá-se o caso de os Isildos comungarem com ele do
diagnóstico e do método: sabem que só podem ganhar mentindo" (Fernanda Câncio)
Sem comentários:
Enviar um comentário