quinta-feira, 31 de julho de 2014

Novos cortes, novos impostos: legal, mas imoral

O Tribunal Constitucional decidiu - e está decidido - que os novos cortes nas pensões e a CES não estão feridos de inconstitucionalidade por ter sido considerado pelo Governo o seu caráter provisório. 

É considerado legal, mas é imoral. 

Em primeiro lugar, porque tudo passa a definitivo, não é proporcional, e, em segundo, porque representa um esforço acrescido que em nada diminuiu a dívida, nem a crise. É uma nova medida de retaliação do Governo sobre os mesmos do costume.


"O agravamento dos cortes nas pensões aplicado pelo Governo no início deste ano continua a ter um “carácter excepcional e transitório” e não constitui “um sacrifício particularmente excessivo e desrazoável”. Foram estas as razões dadas pelo Tribunal Constitucional (TC) para validar nesta quarta-feira o aumento da Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES) actualmente em vigor. Em simultâneo, a norma que determina que 50% da contribuição das entidades empregadoras para a ADSE deve ser transferida para os cofres do Estado também foi considerada constitucional.
O Governo evita assim mais um impacto orçamental negativo este ano, mas tem agora que esperar pelas decisões do TC sobre os novos cortes salariais na função pública e nas pensões, estes últimos já com carácter definitivo.
Num acórdão publicado nesta quarta-feira ao fim do dia, o TC analisou os pedidos de declaração de inconstitucionalidade dos deputados dos partidos à esquerda do Governo a duas medidas lançadas no início de 2014 precisamente para compensar um anterior chumbo dos juízes do Palácio Ratton, nessa ocasião, à proposta de convergência das pensões do sector público com o sector privado.
A primeira medida é o alargamento da CES aos pensionistas com rendimentos acima dos 1000 euros, quando em 2013 apenas as reformas acima dos 1350 euros eram visadas. A segunda medida é a norma que determina que 50% da contribuição das entidades empregadoras para a ADSE deve ser transferida para os cofres do Estado. 
O tribunal, que em Junho tinha decidido chumbar o agravamento dos cortes salariais aos funcionários públicos, decidiu agora considerar estas duas medidas constitucionais. O aumento da CES, que na prática representou um agravamento face a 2013 dos cortes realizados sobre as pensões, passou com sete votos favoráveis e seis votos contra. A alteração realizada na ADSE foi vista como inconstitucional apenas por um dos 13 juizes.
No que diz respeito à CES, uma das principais decisões que os juízes do TC tinham de tomar era se continuavam a considerar que esta contribuição é apenas transitória, como tinham feito em anos anteriores. O tribunal pesou o facto de este já ser o quarto ano de existência da medida (em diversos formatos), mas conclui que “assume, efectivamente, um carácter excepcional e transitório, directamente relacionado com os objectivos imediatos de equilíbrio orçamental e sustentabilidade das finanças públicas que o legislador afirma querer prosseguir”.
Depois, é analisada uma eventual violação do princípio da confiança, ou seja, o tribunal investiga se houve uma quebra não justificada das expectativas dos pensionistas afectados pelo agravamento da CES, dando especial atenção àqueles que, por terem pensões entre os 1000 e os 1350 euros, não tinham em 2013 quaisquer cortes, mas passaram a ter este ano.
Mais uma vez, a situação excepcional em que vive o país foi usada como justificação para considerar a nova CES adequada do ponto de vista constitucional. “Em relação aos pensionistas que agora são atingidos pela alteração daquele limiar pode considerar-se que as expectativas na continuidade da posição jurídica em que se encontram estão enfraquecidas, já que se mantém o contexto de excepcionalidade económica que justificou a criação daquele tributo e as suas sucessivas alterações”, afirma o acórdão.
Por fim, ainda em relação à CES, é avaliada uma eventual violação do princípio da proporcionalidade, ou seja, saber se os esforços pedidos aos pensionistas vão para além do que é razoável e não são compensados pelos motivos da adopção da medida. O tribunal assinala que as pensões nunca podem ser cortadas abaixo dos 1000 euros e conclui que a CES “não constitui um sacrifício particularmente excessivo e desrazoável, que importe violação do princípio da proporcionalidade constitucionalmente censurável”.
Em relação a norma que determina que 50% da contribuição das entidades empregadoras para a ADSE deve ser transferida para os cofres do Estado, os juízes mostraram uma convergência de opiniões bastante mais acentuada. Avaliaram em particular se, ao transferir a obrigação de a financiar na sua totalidade para os funcionários públicos, o Estado não estaria a falhar no seu dever constitucional de financiar o sistema de saúde.
Concluíram que não, afirmando que “a norma em causa em nada afecta o Sistema Nacional de Saúde, relativamente ao qual a ADSE faculta uma protecção suplementar, de adesão voluntária, sem que haja qualquer imperativo constitucional do seu financiamento por verbas públicas, ainda que em parte”.  
Por avaliar está a ainda a constitucionalidade de outra medida tomada pelo Governo no último orçamento rectificativo: o aumento da contribuição dos trabalhadores para a ADSE."

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