Campos e Cunha |
A
contestação deixou de ser um exclusivo das ruas. De dia
para dia, somam-se as vozes da elite às críticas ao Governo.
Ontem foi a vez da
SEDES (Associação para o Desenvolvimento Económico
e Social) tomar uma posição de força e avisar que "ninguém
confia em quase nada que seja prometido pelo Governo". Passos
Coelho está cada vez mais isolado. (Diário Económico, Jornal de Notícias, Oje,
Público)
A SEDES, aquela que é uma das mais
antigas associações cívicas em Portugal, alerta que incerteza está a minar
confiança dos portugueses (...) e considera que o clima de
indefinição que o país atravessa é insustentável, tanto do ponto de vista
social, como económico.
(Pedro Crisóstomo) - Já “ninguém confia em quase nada que seja
prometido pelo Governo”, o que é “incompatível com uma saudável vivência
democrática”; o ambiente é de “desconfiança em relação ao Estado de Direito”, o
que é incompatível com a recuperação da economia; e a ideia de que tudo é
aceitável porque o Estado está “falido” é “um erro grave”. As críticas e os
alertas partem do conselho coordenador da Sedes – Associação para o
Desenvolvimento Económico e Social, que numa tomada de posição conhecida duas
semanas depois da apresentação do Orçamento do Estado para 2014 não poupa de
críticas a actuação do executivo, que acusa de fazer “ameaças”, criar “ruído” e
de gerar uma incerteza “absolutamente desnecessária”.
Num
documento intitulado “Acabar com a incerteza”, a associação presidida
pelo antigo ministro das Finanças Luís Campos e Cunha faz um duro retrato do
Portugal de hoje, olhando para trás e querendo olhar para a frente. Ponto de
partida: a “confiança dos portugueses” está a ser minada por haver
uma grande incerteza na sociedade portuguesa, “com consequências muito graves
para a economia e para o bem-estar” dos cidadãos.
Um exemplo: “Quaisquer decisões, das mais simples, como jantar
fora ou mudar de carro, até às mais complexas, como investir num projecto
empresarial ou decidir ter um filho, são sistematicamente adiadas”.
A associação aponta o dedo aos governos dos últimos dez anos
(Campos e Cunha teve uma curta passagem como ministro das Finanças no primeiro
Governo de José Sócrates) e não deixa de fora de responsabilidades as
instituições europeias. Mas “a ideia de que o Estado está falido e, como tal, tudo é aceitável é, e tem
sido, um erro grave: o acordo com a troika fez-se exactamente para evitar
essa falência”, sublinha a Sedes, colocando as
palavras “falido” e “falência” em itálico para as enfatizar.
Entretanto, acrescenta, “por erros de comunicação, políticas
erráticas e decisões fora de tempo, criou-se uma incerteza absolutamente
desnecessária e um ambiente de desconfiança em relação ao Estado de Direito
incompatível com a recuperação da economia, do investimento e do emprego”.
Segundo a Sedes, um exemplo paradigmático dessa incerteza tem a
ver com ocorte de 10% nas reformas e nas pensões de sobrevivência. “Todas as semanas
escutamos anúncios de medidas que abrem novas frentes e criam medo e incerteza,
como aconteceu recentemente com a questão das pensões de sobrevivência. Sem
discutir se a política em causa é boa ou má, contesta-se sim a errância das
decisões, a confusão dos conceitos, a impreparação das soluções, a
intermitência dos anúncios, a contradição dos agentes (ministros, secretários
de Estado, consultores, oposição)”.
Mas “seja a incerteza sobre as pensões actuais e futuras, sejam
as alterações bruscas de impostos, sejam as dúvidas sobre a simples data de
pagamento de subsídio de férias, são inaceitáveis” por não promoverem a
estabilidade, enumera.
O conselho coordenador da organização “não nega a necessidade da
reforma com vista à sustentabilidade do sistema” de Segurança Social, mas
critica “justamente a não existência de uma reforma”, porque, diz, o Governo
“retirou certeza jurídica ao sistema de pensões sem proceder a qualquer reforma
visível”. A reforma de 2007 “foi profunda, teve particular cuidado em
salvaguardar o Estado de Direito” e deu garantias constitucionais. Já “o
argumento meramente contabilístico ou financeiro de curto prazo” que a Sedes
reconhece no discurso do actual Governo não tem em conta “as consequências
sociais e económicas muito negativas para muitos e muitos anos”.
A ideia “de que a geração em idade contributiva não terá pensões
gera uma revolta contra o facto de se pagar hoje para nada se receber amanhã”,
sustenta. “Alimentá-la encoraja todo o tipo de fugas à contribuição, agravando
o exacto problema que visava resolver. Escamoteia-se, além disso, que as
pensões dos reformados de há 20 anos foram pagas pelas contribuições dos
actuais reformados. E cria-se uma incerteza fundamental (mais uma!) sobre o
longo prazo, gerando infelicidade, mal-estar, comportamentos anormais de aforro
e de aversão ao risco acima do necessário e causadores de desemprego já hoje”.
E “fomentar a ‘luta’ entre gerações é uma injustiça, é perigoso e é
politicamente irresponsável”.
Que austeridade?
A Sedes centra boa parte da sua tomada de posição na análise das
opções do Governo sobre o sistema de pensões, deixando ainda outras críticas ao
facto de a redução da despesa não ter sido pensada desde o início da actual
legislatura, porque leva tempo a ser executada.
A associação reconhece a necessidade de aplicar medidas de
contenção (“face ao descalabro que as contas públicas atingiram em 2009 e
2010, ninguém imagina que a estabilização financeira poderia evitar uma
drástica austeridade”). Mas diz que “há várias austeridades possíveis e várias
formas de fazer uma política de austeridade”. Desde logo, sublinha, “a carga
fiscal, em larga medida a primeira opção adoptada por este Governo, pela sua
dimensão e natureza, asfixia a economia e as pessoas”.
Stress, infelicidade – eis a percepção que a Sedes
tem quando se fala em “medidas de austeridade, onde cada dia parecem nascer
intenções de política nunca concretizadas mas que ficam a pairar como ameaça
velada”.
O primeiro passo para a recuperação, enfatiza, é a aposta nas
exportações, que têm vindo a aumentar o seu peso na formação do PIB, por
contraponto ao consumo e ao investimento, que estão em queda. “O segundo passo
para a retoma económica é o crescimento do investimento que, como vimos, tarda.
Sem ele não há mais emprego nem crescimento do consumo privado, que tipicamente
surge num terceiro momento”.
O que fazer, perguntam os
membros do conselho coordenador da Sedes. “Em geral, todos podemos concordar
com a importância do combate ao défice público como prioridade, suportado no
Estado de Direito e, sobretudo, na confiança entre instituições, cidadãos e
empresas”, começam por responder.
Numa frase: “É urgente reformar o Estado, reformar o sistema político, reformar
a forma de fazer política, de gizar, conceber, apresentar e executar as
políticas públicas”.
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