Há uma deriva no governo e no país. Vive-se um clima tenso. A insegurança social sente-se em todos os setores. A confiança e a esperança abandonam os portugueses e são cada vez mais aqueles que partem à procura de uma oportunidade que lhes é devida e que o governo lhes nega.
Aconselha-os mesmo a emigrar, diz-lhes que o desemprego não é um drama, mas sim uma oportunidade, e lá vai lembrando, pela voz do 13º ministro, o excedentário, que os portugueses ganham muito e é urgente baixar-lhes os salários.
O governo executa um memorando bem distinto do inicial, que só a ele obriga, porque foi o governo a sós que o transformou e assinou, na sombra dos gabinetes, tal como fez com o PEC a que agora chama de documento de estratégia orçamental (DEO) pondo em causa a coesão social.
No entanto, para quem estivesse a sucumbir à diabolização que o governo tem vindo a fazer dos "últimos anos o Presidente da República, no discurso de Abril, colocou um ponto final nesse argumentário depressivo ao referir que Portugal é hoje um país diferente, de portugueses capazes e de uma década de sucessos.
Falou e deu exemplos, como referia a comunicação social, “as razões do orgulho português, tal como o Presidente da República as apresentou … são em grande medida as bandeiras do Governo anterior: o salto que o país deu na ciência, na investigação e desenvolvimento, na cultura, nas artes plásticas, nas indústrias criativas, na inovação em setores tradicionais, no investimento em infraestruturas e em energias alternativas.
Posto isto, é necessário avaliar se estamos pior ou melhor. O memorando inicial exigia-nos austeridade, mas garantia valores essenciais. Garantia, por exemplo, que não haveria redução de salários, nem confisco dos 13º e 14º meses, nem para os trabalhadores, nem para os reformados; não haveria despedimentos livres, sem justa causa; a segurança social e a escola públicas seriam preservadas, bem como o SNS; garantia a não privatização da CGD, da REN ou das Águas de Portugal.
E ao que assistimos?
Dificulta-se o acesso ao SNS, faltam medicamentos nas farmácias, encerra-se um equipamento público e ao lado abre-se um privado, baixam os preços dos medicamentos, mas baixam também as comparticipações pagando-se mais em vez de se pagar menos como o ilusionismo do governo pretendia fazer crer. Não é pois de admirar que o Observatório dos Sistemas de Saúde, conhecido hoje, detete sinais de degradação nos cuidados médicos prestados aos portugueses e critique a falta de estudos oficiais sobre os impactos da política de austeridade.
Dificulta-se o acesso à educação e à ciência, corta-se 60% nas bolsas, nos doutoramento no estrangeiro, os alunos abandonam as universidades por corte nos seus recursos e das famílias, congelam-se as vagas nos cursos, em muitos anos temos um governo apostado em diminuir o número de alunos a frequentarem a escola em todos os níveis de ensino, inventam-se exames no 4º e 9º anos, com provas deliberadamente mais difíceis, sujeitando os alunos aos piores resultados dos últimos quatro anos, criando artificialmente uma taxa de insucesso que aumenta de 19% para 43%.
Não é um vexame para os alunos, para os professores, para as famílias, mas sim para o ministro da Educação que tem por hábito “dar uma no Crato outra na ferradura”.
Dificulta-se o acesso à justiça com o encerramento injustificado e intolerável dos tribunais, nomeadamente no interior, tornando a justiça mais cara, ainda mais morosa e obrigando os cidadãos a novas distancias, a novas despesas que não podem pagar, apontando-lhes assim o caminho da desistência. É um ataque grosseiro aos direitos constitucionais dos cidadãos.
Aliás, parece que o governo encontrou uma nova obsessão: encerrar serviços, desprotegendo o país, abandonando e condenando o interior, estimulando a sua desertificação e deixando as pessoas à sua sorte. Este governo parece ter encontrado também uma nova política, a do encerramento em vez do investimento.
Como se isso não bastasse surge agora a ilusão do resgate na administração local. Os efeitos dessa medida vão ser suportados pelos munícipes e não resolve o problema. Serão “coimados” com taxas máximas, tal como as micro, pequenas e médias empresas terão de enfrentar a derrama num vermelho intenso. É um constrangimento para as economias locais, tal como já o fora a anulação dos incentivos fiscais e o é, também, um IVA a 23%.
Enquanto isto, o governo mergulhou num choque entre a Justiça e Administração Interna não se entendendo nas indefinições que introduziram nas polícias, no seu papel, estatuto e coordenação. O escândalo das secretas aumentou a perplexidade e provou que foi dizimada a privacidade das pessoas no meio da maior miséria moral que se traduz na promiscuidade entre negócios privados e servidores do Estado. Ao mesmo tempo o país confronta-se com novas formas de criminalidade, mais intensa, mais violenta, que o governo não consegue controlar.
. É preciso mudar. Há outro caminho. Mas não é tal “bom caminho”, o "êxito" da avaliação da "Troika"; não pode ser desemprego máximo e emprego mínimo, liberalização dos despedimentos e iniquidade nos rendimentos, corte nos salários e subsídios e aumento das gorduras do Estado, austeridade sobre austeridade, recessão e crise económica sem precedentes, empobrecimento de todos para enriquecimento de alguns. Como afirmou João Cravinho, a austeridade é autodestrutiva, alimenta-se de si própria, numa espiral incontrolável.
Não somos só nós a pensar assim.” Bagão Félix nota que o “Estado está viciado na austeridade” e que ela se dirige sempre aos mesmos e nada resolve. Manuela Ferreira Leite denuncia que esta austeridade nada resolve, intensificará a crise e só um modelo social diferente poderá ser a solução em plena concordância com o secretário-geral do PS, António José Seguro.
Não faltaram avisos. O governo tem, pois, a obrigação de se concentrar no futuro, nas soluções, e abandonar a estigmatização do passado, qual porto de abrigo, onde tem vindo a refugiar a incapacidade das suas políticas. É tempo de aproveitar, e não "malbaratar" a disponibilidade do PS, das oposições e dos parceiros sociais para construir políticas de compromisso centradas nas pessoas, no crescimento económico e no emprego.
O governo não foi escolhido para se desculpar, mas para governar. Não nos pode oferecer passado quando nos prometeu futuro. O governo fez-se eleger com a promessa de que havia “um limite para os sacrifícios, mas afinal, a esta maioria foi sempre mais fácil dizer mal do que fazer bem.
AR, 2012-06-14
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