As eleições europeias estão a ser disputadas em tempos de escolhas decisivas. A participação e vontade dos eleitores de cada estado-membro vão reconfigurá-la. Pode estar próximo o fim do bipartidarismo, tal como o conhecemos, que tudo decide entre o maioritário PPE, Partido Popular Europeu, e S&D, Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas
Os outros, em síntese, vão dos liberais e centristas (RE), passando pelos eurocéticos e nacionalistas (ID), família do Chega, ambientalistas e progressistas (Verdes/ALE), conservadores e reformistas (ECR) até aos que representam partidos de esquerda e movimentos sociais (GUE/NGL). Serão 720 deputados eleitos por 373 milhões de europeus, por sufrágio universal e direto, durante cinco anos, nos 27 estados-membros.
Dito isto, é necessário
olhar para o que se passa em cada um dos países. Os ventos de mudança em
Portugal, com o advento expressivo do Chega, projetaram a extrema direita. Para
nós é uma “novidade”, é a “fase da
“revelação”, na terminologia de Vicente Valentim, mas nos restantes países
europeus é uma realidade em desenvolvimento conhecida e consolidada.
Como os grupos
parlamentares europeus não resultam da união de países, mas sim de representantes
de partidos políticos afins, é natural que à direita, por agregação do PPE com
os conservadores e liberais ou estes com os eurocéticos e nacionalistas (mais
improvável), se forme uma nova aliança que reconfigure os espaços tradicionais
do PPE e do S&D, socialistas e democratas. Neste contexto, o S&D
poderia deixar de ser o parceiro habitual do PPE, família do PSD e do CDS. A
ser assim – e mesmo que não seja – tudo será diferente com o crescimento
da direita mais radical.
Concretizando, Ursula von
der Leyen pode não voltar a ser a “Senhora Europa” e António Costa pode não
acontecer e, no seu caso, acresce ainda a irritante dificuldade decorrente da
intervenção da PGR.
Também o apoio à Ucrânia
pode conhecer mais retrocessos. Já hoje é difícil à Nato decidir e pôr no
terreno em tempo útil meios adequados a um suporte eficaz. Tudo é penoso,
incompleto e inaceitável.
Imaginemos, agora, o crescimento dos “Viktor Orbán” europeus e, depois, no final do ano a possível vitória de Trump. É bem possível que o corajoso Zelensky tenha de escolher entre a boleia que rejeitou ou negociar perdas de soberania num país cada vez mais destruído. Seria dramático ...Estas são as eleições mais importantes deste século. É necessário refundar o ideal Europeu, reformar a construção europeia e defendê-la de alguns que a integram e que a ela concorrem para a fragilizar e questionar a sua existência.
Como é possível manter dentro, por exemplo, a Hungria de Viktor Orbán? Depois da sua vitória nas eleições de 2010 remodelou o Tribunal Constitucional, mandou centenas de juízes para a reforma, nomeou os que entendeu, e adotou uma nova Constituição. (in “A Ditadura adaptada ao Século XXI, como os novos tiranos se reinventaram” de Sergei Guriev e Daniel Treisman). Fixou novas regras no sistema eleitoral em 2014 e conseguiu obter 93% dos lugares com 45% dos votos. Uma nova vitória em 2018 foi interpretada como um “mandato para construir uma nova era”, assumindo o controlo de centenas de jornais, reescrevendo o currículo escolar e expulsando de Budapeste a Universidade Centro-Europeia fundada por George Soros.
Em 2019 Bruxelas
enviou-lhe 5000 MM de euros, segundo o New York Times, que distribuiu por um
sistema clientelar de amigos e familiares. Eram dirigidos à terra e, a preço
simbólico, vendeu-lhes milhares de hectares do Estado para receberem dezenas de
milhões de euros em subsídios. Lorinc Mészáros foi um deles, um velho amigo de
Orbán, multimilionário dos media.
Viktor Orbán, um ditador
da manipulação, é um apoiante de Putin e o político europeu que mais contesta o
apoio à Ucrânia. A Putin ligam-se outros políticos europeus, nomeadamente
Marine Le Pen, que obteve em 2014, de um pequeno banco ligado ao Kremlin, 9
milhões de euros para a sua Frente Nacional ou, para não ser exaustivo, o
italiano Matteo Salvini do LEGA, que discutiu com os russos um acordo para
encaminhar milhões de dólares (“foi
aberto um inquérito por corrupção”). Putin elogiou Salvini dizendo mesmo
que mantinha com ele um “contacto
constante”.
Entre nós, neste
momento, apesar das sondagens, não é possível prever um resultado final,
mas é obrigatório apelar, por tudo o que acima ficou dito, a que todos os
cidadãos que defendem uma Europa coesa e livre, bem como os estados de direito
democrático, vão votar no próximo Domingo. A democracia, o estado de direito
democrático e a paz na Europa não são, como se vê, irreversíveis.
Jornal do Centro 2024.06.04
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