terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Nicolau Santos sobre a 1ª parte da entrevista de Sócrates à TVI

(in Expresso Curto) Bom dia. - «Um leopardo quando morre deixa a sua pele. Um homem quando morre deixa a sua reputação». O ditado chinês, relembrado recentemente por Ricardo Salgado, aplica-se a três homens e uma instituição, que ontem lutaram ferozmente pela sua reputação.
José Sócrates esteve ontem na TVI para falar do processo judicial de que é alvo e das acusações de corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais que lhe são imputadas. O ex-primeiro-ministro fala em causa própria e seguramente manipulará o que diz de acordo com as suas conveniências. Mas os factos que apresenta levam a que um cidadão admita que a justiça tem de dar respostas cabais a algumas das acusações de Sócrates e que os jornalistas aparentemente não fizeram todo o trabalho de casa.

Não, não compro a tese de Sócrates de que este processo tinha como objetivo levar o PS a perder as eleições legislativas de 4 de outubro – o partido a que pertence e de que esperava mais apoio - e há questões que devem ser esclarecidas na segunda parte da entrevista, a ser transmitida hoje, sobre a aparente desproporção entre os seus rendimentos e o nível de vida que levava. 
Mas é perturbador que mais de um ano depois da prisão do ex-primeiro-ministro, o Ministério Público ainda não tenha conseguido deduzir uma acusação; que a defesa ainda não tenha tido acesso a todo o processo, 59 tomos com cerca de 3000 páginas cada um, apesar do Tribunal da Relação ter decidido nesse sentido; que o segredo de justiça tenha sido sistematicamente violado e que Paulo Silva, o inspetor tributário que trabalha com o Ministério Público no processo, tenha escrito, preto no branco: «só existem três responsáveis por essas fugas de informação – que comprometem os trabalhos e a estratégia: ou eu, ou o procurador ou o juiz. E isto já passou todos os limites»; que o Tribunal da Relação tenha declarado o dia 19 de outubro de 2015 como data final do inquérito, mas que o Ministério Público não só tenha ignorado essa decisão, como o responsável pela investigação tenha declarado ser necessário alargar o prazo pelo menos até setembro de 2016».
No que se refere à acusação de corrupção, a mais grave que incide sobre Sócrates, envolvendo o Grupo Lena (e que, segundo o ex-primeiro-ministro, o Ministério Público considerou que poderia ter ocorrido nas PPP, na Parque Escolar, noutras obras públicas ou em todas), a argumentação foi demolidora – ou será que não é verdade? Nas Parcerias Público-Privadas, segundo Sócrates, das 21 aprovadas pelos seus governos, o grupo Lena integrou consórcios que venceram apenas duas delas. Mas mesmo nesses dois casos estava em franca minoria: numa tinha apenas 7,8% do consórcio, noutra 16,25%. Além disso, os dois concursos foram ganhos porque no primeiro a diferença para o segundo classificado era de 282 milhões de euros e no segundo de 202 milhões.
Quanto à Parque Escolar, ainda segundo Sócrates, dos 250 contratos adjudicados, o Grupo Lena ganhou dez, não sendo o maior fornecedor nem em número de contratos nem em valor. E os contratos foram todos ganhos porque o Grupo Lena ofereceu preços mais baixos que os outros concorrentes. Finalmente, o Grupo Lena terá ganho 0,25% de todos os contratos públicos durante as legislaturas de Sócrates e 0,36% durante os quatro anos de Passos Coelho. E é nestas matérias, a ser como diz Sócrates, que os jornalistas não terão feito bem o seu trabalho de casa, que, segundo ele, nem sequer é difícil, porque a informação está disponível.
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